quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Demodiciose canina – aspectos etiológicos e terapêutica. Revisão de literatura.


Aos caros leitores, os autores desta revisão de literatura abordaram os tópicos: Agente etiológico, Demodiciose localizada, Demodiciose generalizada, Epidemiologia, Imunopatogenia, Diagnóstico, Tratamento, Antibioticoterapia e Controle. Decidi transcrever apenas a parte de tratamento. Quem desejar ler algum dos tópicos citados acima, favor informar. Obrigado!


AMITRAZ

A diluição deve ser aplicada sobre o animal com ajuda de uma esponja, deve-se remover a camada pilosa de cães de pelagem longa e semi-longa, para permitir um melhor contato com a solução acaricida com a pele e uma melhor penetração nos folículos pilosos.

Os cães devem ser lavados com xampu anti-séptico, antes do banho com amitraz, afim de remover os debris de superfície e permitir a drenagem dos folículos pilosos e penetração do acaricida; a solução para o banho dever ser usada imediatamente após o preparo, pois ela é rapidamente alterada por oxidação e ação dos raios ultravioletas. Os cães devem ser secados ao ar, não devendo ser enxaguados após os banhos.

As pododermatites demodécicas são particularmente resistentes aos tratamentos clássicos. O amitraz pode então ser misturado ao propilenoglicol ou óleo mineral (1 para 30) e aplicado sobre os pés a cada dois dias. O mesmo tratamento pode ser utilizado para os casos de otodemodiciose.

Mesmo quando tratados com as concentrações recomendadas, cadelas gestantes, filhotes com menos de quatro meses de idade, cães geriátricos, raças miniaturas e cães debilitados são propensos a desenvolver reações adversas.

O amitraz é contra-indicado para cães diabéticos por gerar um efeito hiperglicêmico, e não deve ser utilizado sobre extensas superfícies erodidas e ulceradas.

Os efeitos secundários mais frequentemente atribuídos ao uso do amitraz são sonolência, letargia, anorexia, prurido e hipotermia, observados em cerda de 30% dos casos nas 12 à 36 horas seguintes ao tratamento.
Irritações cutâneas caracterizadas por prurido e eritema podem ser observadas no Dobermann e Sharpei, após a utilização do amitraz.  
   
Os cães com sinais de toxicidade por amitraz podem ser tratados com antagonistas α2 adrenérgicos como a ioimbina (0,1mg/kg, IV, IM) ou atipamezole (0,1 a 0,2mg/kg, IV, IM).

IVERMECTINA

No tratamento da demodiciose generalizada, a dose diária utilizada é de 300 a 600µg/kg via oral. Essa dose se mostra efetiva no combate à demodiciose generalizada, entretanto é preciso cautela, pois a ivermectina é potencialmente tóxica e não possui autorização oficial para essa indicação, sendo seu uso de total responsabilidade do clínico que a prescrever.

Os principais sinais de intoxicação incluem ataxia, tremores, desorientação, hiperestesia, hiperreflexia, hipersalivação, midríase, depressão, cegueira, coma e morte do animal. Em algumas raças de cães, como o Collie, Pastor Alemão, Pastor de Shetland, Pastor Australiano, Setters, Old English Sheepdog e seus cruzamentos, o fármaco é contra-indicado.

A reversibilidade da ação da ivermectina, que pode ser estendida para as outras lactonas macrocíclicas, pode ser obtida quando da interrupção precoce do tratamento em casos de intoxicação leve. Nos casos em que os efeitos colaterais estão associados a doses mais elevadas, a terapia de suporte deve ser adotada e a administração periódica de fisiostigmina (1,0 a 2,0mg/kg IV) mostrou induzir uma reversão acentuada porém transitória dos sinais clínicos.

MILBEMICINA OXIMA

A dosagem utilizada no tratamento da demodiciose generalizada é de 0,5 a 2,0mg/kg/dia, por via oral.

Devido ser extremamente lipofílica, ela se acumula nos tecidos adiposos, de onde é liberada progressivamente, e é aconselhado administrá-la durante as refeições, aumentando a sua biodisponibilidade.

É a avermectina mais segura para cães, com DL50 superior a 200mg/kg e pode ser empregada nas raças sensíveis à ivermectina.

MOXIDECTINA

Sua utilização no tratamento demodiciose generalizada não é autorizada, sendo de responsabilidade do clínico que a prescreve.

A dose diária recomendada é de 400µg/kg via oral, por um período médio de cinco meses.

A moxidectina é mais lipofílica que a ivermectina, neste caso ela deve ser utilizada com precaução em animais debilitados.

Ela apresenta riscos tóxicos muito baixos, mas efeitos colaterais tais como ataxia e letargia, podem ser observados.

DORAMECTINA

A formulação injetável à 1%, a base de óleo de sésamo, é recomendada na dose de 600µg/kg por via subcutânea, uma vez por semana durante 5 a 23 semanas (média de 13 semanas). Nenhum cão tratado demonstrou sinais de intoxicação.

Outros estudos são necessários paa determinar a dose ideal, o intervalo adequado entre duas administrações e para confirmar os bons resultados obtidos.



Demodiciose canina – aspectos etiológicos e terapêutica. Revisão de literatura.

Leandro Ferreira Bezerra – Médico Veterinário; Universidade Federal de Campina Grande, Campus de Patos, PB.

Almir Pereira de Souza – Médico Veterinário, Professor, Doutor, Universidade Federal de Campina Grande, Campus de Patos, PB; Av. Universitária, s/n. Bairro: Santa Cecília. Patos-PB. CEP: 58.708-110. E-mail: Almir@cstr.ufcg.edu.br ; Telefone: (83) 3423-9523.

Márcia Almeida de Melo – Médica Veterinária, Professora, Doutora, Universidade Federal de Campina Grande, Campus de Patos, PB.

Layse de Lucena Wanderlei – Acadêmica de medicina veterinária, Universidade Federal de Campina Grande, Campus de Patos, PB.

Amanda Chagas da Silva – Acadêmica de medicina veterinária, Universidade Federal de Campina Grande, Campus de Patos, PB.

Medvep – Revista Científica de Medicina Veterinária – Pequenos Animais e Animais de Estimação; 2011; 9(29); 219-227.


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A síndrome gastrintestinal e das vias respiratórias superiores em cães braquicefálicos

Em resultado da seleção genética realizada ao longo dos últimos 15 anos, a morfologia dos cães braquicefálicos (principalmente o Buldogue Francês, o Buldogue Inglês, o Pug ou o Boston Terrier) evoluiu para faces achatadas, amplas e curtas.



Além das má-formações vertebrais e da dermatite das pregas cutâneas, esta evolução acentuou um determinado número de desordens funcionais que, muitas vezes, os proprietários desses animais encaram como “normais”.

Podem ser de dois tipos:

De tipo respiratório

• Sons respiratórios acentuados
• Tolerância reduzida ao esforço ou ao calor
• Cianose
• Síncope

De tipo gastrintestinal

• Regurgitação de saliva em situações de stress
• Vômito freqüente.

Embora os distúrbios respiratórios tenham sido objeto de inúmeros estudos, a descrição e a análise dos distúrbios gastrintestinais (GI) crônicos associadas a anomalias respiratórias é mais recente.

Em estudo prospectivo, os autores destacaram a elevada incidência de distúrbios GI em animais apresentados em consulta com obstrução do trato respiratório superior, 97,2% nos 73 animais (na sequência de exame clínico e endoscópico). Foram frequentemente observadas lesões inflamatórias no esôfago distal, no estômago ou no duodeno, podendo estar associadas a anomalias anatômicas ou funcionais (ex.: atonia do cárdia, refluxo gastroesofágico, retenção gástrica, hiperplasia da mucosa pilórica ou estenose pilórica).

O exame histológico conduzido em 51 destes animais revelou 98% de casos de gastrite crônica. Foi estabelecida correlação estatística entre a gravidade dos sintomas clínicos gastrintestinais e respiratórios, evidenciando abordagem patofisiológica comum validada do ponto de vista estatístico.

Avaliação clínica

Quando o motivo da consulta for dificuldade respiratória, intolerância ao esforço (ou calor) ou síncope, o histórico pode revelar a existência de distúrbios digestivos associados.

Normalmente, os relatos dos proprietários descrevem intolerância ao esforço por várias semanas ou meses anteriores à consulta. Esses distúrbios respiratórios são de natureza inspiratória ou mista. Além disso, os sintomas GI estão frequentemente associados e incluem refluxo, ingestão frequente de grama, êmese em caso de excitação ou brincadeiras, regurgitação de saliva ou vômito de alimento parcialmente digerido após prolongado intervalo de tempo seguinte às refeições.

Silmultaneamente, quando distúrbios GI são o motivo da consulta, é possível identificar desordens respiratórias associadas.

Na prática, uma vez confirmada síndrome obstrutiva do trato respiratório no decurso do exame clínico é aconselhável efetuar exame endoscópico (sob anestesia geral) do trato respiratório superior e gastrintestinal, para avaliar as lesões em ambos os sistemas.

A radiografia do tórax está preconizada sempre que o exame pulmonar revelar anomalia ou quando a anamnese descrever tosse intensa ou episódios de dispnéia severa. No Buldogue Inglês é frequentemente constatada a presença de hipoplasia traqueal, o que agrava os distúrbios respiratórios crônicos nesses cães.

Achados endoscópicos

A anestesia de cães braquicefálicos requer atenção minuciosa e elevado nível de cuidados durante o tratamento.

• Dieta líquida nas 24 horas anteriores à anestesia geral

• Pré-medicação com acepromazina (0,5mg/kg IM), dexametasona (0,2mg/kg IM) e metoclopramida (0,5mg/kg IM)

• Indução rápida da anestesia geral (tiopental 5-10mg/kg)

• Entubação do animal e manutenção da anestesia com isoflurano misturado com 100% de oxigênio.

A primeira fase do exame é realizada com o animal em posição ventral, para facilitar o diagnóstico das desordens respiratórias:

• Aspecto das narinas

• Alongamento e hiperplasia do palato mole

• Aspecto das amígdalas

• Eversão dos ventrículos da laringe

• Flacidez da cartilagem aritenóideia da laringe

• Macroglossia (obstrução parcial ou total da faringe nasal pela base da língua)

• Redução de movimentos temporomandibulares.

Na segunda fase, em decúbito lateral esquerdo, podem ser diagnosticadas as principais lesões GI, distinguindo-se três tipos de anomalias em cada segmento digestivo (esôfago, estômago, duodeno superior):

• Anomalias anatômicas: má-formações congênitas ou lesões adquiridas no trato GI superior (desvio esofágico, estenose pilórica, hérnia de hiato, etc.)

• Anomalias funcionais decorrentes de alterações no trânsito GI (atonia do cárdia, refluxo duodenogástrico, etc.)

• Anomalias lesionais: lesões inflamatórias geralmente secundárias às duas anomalias acima descritas (esofagite, gastrite, etc.)

Em cães braquicefálicos, a recuperação pós operatória é bastante delicada e comporta riscos potenciais. Portanto, deverá decorrer com o mínimo de estímulos sonoros e luminosos. O tubo endotraqueal deve ser removido o mais tarde possível, preferencialmente quando o animal estiver prestes a conseguir erguer-se. A ocorrência de dificuldades respiratórias acentuadas durante a fase pós-operatória podem requerer uma traqueostomia temporária (4,9% dos casos no estudo prospectivo). 

O tratamento cirúrgico, quando necessário, das anomalias digestivas detectadas durante a gastroscopia (hérnia do hiato ou estenose pilórica) nunca é efetuado simultaneamente a correção das anomalias respiratórias. Deverá ser adiado por várias semanas, estabelecendo-se entretanto uma terapia provisória com medicamentos.

Esôfago

1.    Desvio esofágico: anomalia relatada em estudo efetuado com Bulldogs Ingleses. Esse desvio provoca a retenção de saliva e resíduos de alimentos, e pode explicar a salivação dos animais em situações de excitação.

Lesões inflamatórias e erosão distal podem ser associadas a um comprimento excessivo do esôfago (esôfago redundante) e/ou à incontinência do cárdia (abertura do cárdia durante a inalação, fenômeno não observado em outras raças durante a endoscopia).





Estômago

1.      Presença de gastrite, frequentemente folicular: observa-se macroscopicamente pontilhado eritematoso múltiplo, visível no corpo gástrico mas também na zona antral de forma mais acentuada.

O piloro apresenta-se rodeado por pregas excessivas da mucosa, o que pode dificultar a passagem do endoscópio até o duodeno proximal. Em alguns casos, embora o animal tenha sido submetido a jejum pré operatório, o estômago encontra-se repleto de suco gástrico ou alimentos não digeridos, absorvidos até 18 horas. Previamente estas últimas observações indicam a presença de síndrome de retenção gástrica, provavelmente decorrente de razões funcionais ou anatômicas.




Duodeno

Macroscopicamente, observa-se uma coloração heterogênea, aumento da granulação da mucosa e aspecto eritematoso no duodeno proximal, com placas de Payer bastante visíveis e, por vezes, descoloridas.

Realizaram-se biópsias duodenais em 43 animais e a principal lesão observada foi a linfoplasmocitose, que afetou 42 animais (97,7%). As lesões foram de baixa itensidade em 13 casos (30,9%), moderadas em 23 casos (54,8%) e graves em 6 casos (14,3%).



Adotou-se terapêutica padrão inicial diante da detecção de lesões inflamatórias gastrintestinais durante a endoscopia, basicamente:

• anti-ácido: normalmente inibidor da bomba de prótons, omeprazol (0,7mg/kg/dia, em dose única diária).

• agente procinético : cisaprida (0,2mg/kg, 3 vezes ao dia) ou metoclopramida (0,5mg/kg, 2 vezes ao dia, com monitorização da tolerância ao fármaco).

Após obtenção dos resultados histológicos, o tratamento pode ser adaptado individualmente.

Gastrite severa e/ou duodenite com fibrose parietal: tratamento para 3 meses.

 • inibidor da bomba de prótons (omeprazol: 0,7mg/kg/dia, 1 vez por dia)

• procinético

• tratamento tópico local com solução à base de fosfato de alumínio.

• prednisolona (0,5mg/kg/dia, 2 vezes por dia, com redução gradual das quantidades).

Gastrite moderada a severa, sem fibrose e/ou duodenite acentuada: tratamento para 3 meses

• Idêntico ao tratamento para gastrite severa, mas sem corticosteróides.

Esofagite distal: terapia para 15 dias, seguida pelo tratamento da gastrite associada

• procinético

• inibidor da bomba de prótons

• sucralfato (1g por dia, por via oral 2 vezes por dia, em jejum)

• sais de magnésio (1mL/kg, 3 vezes por dia, após as refeições)

• fosfato de alumínio: 1mL/kg, 3 vezes por dia, por via oral, fora do período das refeições)

É aconselhável realizar uma endoscopia de rotina após 6 meses ou menos, caso não se observe melhoria.
.
Também se preconizam algumas medidas dietéticas:

Controle da quantidade, alimentos hiperdigeríveis ou hipoalergênicos para casos específicos.

Conclusão:

Estes dados demonstram que a anamnese clínica dos cães braquicefálicos deve incluir abordagem global dos distúrbios respiratórios, bem como dos distúrbios do trato digestivo superior (movimentos de mastigação, ptialismo, vômitos ou regurgitação), ainda que não se constituam reclamações do proprietário. Atualmente, já é um fato comprovado que a correção cirúrgica precoce dos distúrbios respiratórios produz melhorias rápidas nos distúrbios digestivos. O tratamento de suporte das anomalias digestivas também melhora a sintomatologia respiratória dos animais em fase pós operatória.


Veterinary Focus / / Vol 17 No 2 / / 2007

Valérie Freiche, DVM
Clínica Alliance, Bordéus, França
Valérie Freiche graduou-se na Escola Nacional de Medicina Veterinária de Alfort - França, em 1988, onde foi interna e assistente no Departamento de Medicina até 1992. A Drª Freiche empreendeu a sua própria clínica na região de Paris, e optou por se dedicar à gastroenterologia. Desde 1992, é responsável pelas consultas de gastrenterologia e fibroscopia digestiva na Escola Nacional de Medicina Veterinária de Alfort. Desempenha a mesma função clínica referência, a clínica Frégis, em Arcueil. Em 2006, mudou-se para o sudoeste de França para trabalhar nessa mesma área na clínica Alliance, outra referência. A Drª Valérie Freiche participa regularmente de conferências e cursos de pós graduação em gastroenterologia.

Cyrill Poncet, DVM, Dipl. ECVS
Clínica Frégis, Arcueil, França
O Dr. Poncet graduou-se na Escola Nacional de Medicina Veterinária de Toulouse, em 1998, onde também especializou-se em cirurgia (2001). Posteriormente, realizou internato em cirurgia, na clínica Frégis, e obteve o diploma europeu de cirurgia (ECVS - European College of Veterinary Surgeons). Atualmente, o Dr. Poncet é um dos sócios daclínica Frégis e especialista em cirurgia de tecidos moles.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

ENCEFALITE DO CÃO PUG: RELATO DE CASO

A encefalite do Pug faz parte do complexo meningoencefalite necrotizante canina, sendo uma doença inflamatória idiopática do sistema nervoso central, que acomete diversas raças de pequeno porte. Foi primeiramente descrita na década de 60 nos Estados Unidos, e em 2006 no Brasil.

A etiologia da encefalite do Pug ainda é desconhecida, mas estudos prévios sugerem que infecções virais pelo herpesvírus canino tipo I ou pelo vírus da cinomose desempenham um papel inicial na patogenia da doença. Acredita-se que a fisiopatologia da encefalite esteja relacionada à uma suscetibilidade genética, à síntese de anticorpos contra a proteína glial fibrilar ácida (GFAP) e à presença de um agente infeccioso. Diversas outras causas foram propostas, como a meningoencefalite granulomatosa, toxoplasmose, necrose cortical relacionada a convulsões, causas metabólicas ou tóxicas, e distúrbios circulatórios; contudo, dificilmente seriam eventos primários causadores da meningoencefalite necrotizante.

A encefalite afeta cães jovens e apresenta sinais clínicos agudos e progressivos, incluindo letargia, depressão, convulsões, ataxia, alteração de comportamento, déficits proprioceptivos, andar em círculos e cegueira. Com menor frequência, observam-se alterações cerebelares e vestibulopatia central. A predileção racial por cães da raça Pug sugere um possível fator genético na etiologia da doença.

O hemograma e exames bioquímicos dos animais acometidos não apresentam alterações dignas de nota. A análise do líquor tipicamente revela aumento moderado a intenso na contagem de células nucleadas, com predomínio de linfócitos; ocorre também alta concentração de proteínas. A tomografia computadorizada ou a ressonância magnética são bastante úteis no diagnóstico, geralmente identificando áreas focais de edema e necrose na região frontal.

Os diagnósticos diferenciais incluem as doenças inflamatórias (meningoencefalite granulomatosa), infecto-contagiosas (cinomose), e as neoplasias. O diagnóstico definitivo pode ser obtido por biópsia cerebral ou necrópsia.

Não existe um tratamento específico para a doença e alguns animais melhoram temporariamente com a administração de corticosteróides. Realiza-se terapia para controle do quadro convulsivo, mas como a encefalite é progressiva, o prognóstico a longo prazo é ruim. O curso da doença é geralmente fatal, com período de evolução variando de dois dias a mais de seis anos, sendo que grande parte dos animais acometidos morre ou é eutanasiada em poucos meses.

No Brasil, foram descritos dois casos da encefalite, sendo este relato, atendido no Hospital Veterinário da FMVZ-UNESP-Botucatu, o terceiro caso reportado até a presente data. O objetivo deste trabalho é, portanto, alertar os médicos veterinários para a existência de tal patologia já que a raça vem crescendo em popularidade. Embora a difusão ainda seja considerada pequena, é necessário o conhecimento sobre as principais afecções que a acometem.

RELATO DE CASO

Um cão da raça Pug, fêmea, de um ano de idade, foi atendido no Hospital Veterinário da FMVZ-Unesp-Botucatu com queixa de apatia, desorientação, sialorréia e taquipnéia há seis dias. Durante a anamnese foi relatada a presença de tremores musculares, andar em círculos para o lado direito, choque em obstáculos e um episódio convulsivo. O animal já havia sido submetido a tratamento prévio com antitérmico, antibióticos, antinflamatórios esteroidais e não-esteroidais, anticonvulsivantes e vitaminas, além de fluidoterapia.

Ao exame físico, o animal apresentava leve desidratação, mucosas normocoradas, hipotermia (37,1ºC), frequência cardíaca de 88 bpm e respiratória acima de 30 mpm, dificultando a auscultação pulmonar. Os demais parâmetros encontravam-se dentro da normalidade.

Ao exame neurológico o animal apresentava-se deprimido, com andar em círculos, propriocepção consciente diminuída do lado esquerdo, posicionamentos tátil e visual ausentes, hemi-estação e hemi-locomoção bilaterais diminuídas, miose bilateral e reflexo de ameaça ausente.

Os exames laboratoriais realizados revelaram uma discreta linfopenia ao hemograma e o líquido cefalorraquidiano (LCR) apresentava aspecto turvo, pH e glicose normais (100 mg/dL), proteínas (94,1 mg/dL) e sangue oculto aumentados, pandy positivo e celularidade aumentada (7620 hemácias/μL e 80 células nucleadas/μL). Na citologia do LCR houve o predomínio de linfócitos pequenos e típicos (89%), neutrófilos segmentados (07%) e células mononucleares (04%), embora a grande quantidade de hemácias livres e íntegras dificultasse a análise.

Durante o atendimento o animal foi mantido em observação, ocorrendo um episódio convulsivo, revertido com diazepam na dose de 0,5 mg/kg/IV. Em seguida, o mesmo apresentou parada respiratória e, mesmo mantido em ventilação mecânica, após cinco horas evoluiu para parada cardiorrespiratória, vindo a óbito.

No exame necroscópico, verificou-se congestão e edema pulmonares, e sufusões em endocárdio do ventrículo esquerdo. No sistema nervoso central, observou-se diminuição dos sulcos cerebrais telencefálicos, aumento moderado de LCR e dilatação dos ventrículos laterais.

Ao exame microscópico, encontraram-se áreas multifocais de necrose e hemorragia, acometendo as substâncias branca e cinzenta, sendo mais acentuadas na substância branca.

Foram observadas também a presença de manguitos perivasculares compostos por células mononucleares, meningite mononuclear, gliose difusa acentuada, sateliose, neuronofagia, neurônios vermelhos e edema. Nas áreas de necrose, foram encontradas inúmeras células “gitter” (macrófagos espumosos) e infiltrado inflamatório mononuclear.

As lesões microscópicas da encefalite do Pug não podem ser confundidas com as descritas nos casos por infecção pelo vírus da cinomose, uma vez que este causa um processo inflamatório desmielinizante e sem áreas de necrose.

O principal diagnóstico diferencial, a meningoencefalite granulomatosa, leva a necrose intensa da substância branca, ao contrário da causada pela encefalite do Pug, cuja necrose afeta preferencialmente a substância cinzenta.

Diante dos achados nos exames físico, laboratorial, necroscópico e histopatológico, pôde-se concluir que se tratava de um caso de encefalite do Pug, enfermidade de rara ocorrência no Brasil.

Ressaltamos a importância de se investigar precocemente qualquer alteração clínica nesta raça, realizando exame neurológico, laboratorial e de imagem.


Romão FG. et al. Encefalite do cão pug: relato de caso. Vet e Zootec. 2010 mar.; 17(1):37-42.

OBS: As duas últimas fotos são do artigo de - RELATO DE ENCEFALITE NECROSANTE DO CÃO PUG NO RIO GRANDE DO SUL: ASPECTOS CLÍNICOS
CAMPELLO, A O*1; LOBO, C2

1 Médica Veterinária, Mestranda Programa de Pós Graduação em Veterinária –
Universidade Federal de Pelotas/RS anecampello@yahoo.com.br
2 Médica Veterinária, Centro de Saúde Animal – Amigos para sempre – Pelotas/RS
caca_lobo@yahoo.com.br








terça-feira, 9 de agosto de 2011

Protocolo para Tratamento de Raiva Humana no Brasil


Protocolo para Tratamento de Raiva Humana no Brasil
Endereço para correspondência: 
Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica, Esplanada dos Ministérios,
Bloco G, Edifício-Sede, Sobreloja, Brasília-DF, Brasil. CEP: 70058-900
E-mail: cgdt@saude.gov.br
Departamento de Vigilância Epidemiológica
Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

A raiva é uma encefalite viral aguda, transmitida por mamíferos com letalidade de aproximadamente 100%,  considerada um problema de saúde pública, principalmente em países em desenvolvimento.
Em 2004, nos Estados Unidos, foi feito o primeiro relato, na literatura internacional, de cura da raiva em paciente que não recebeu vacina. Nesse caso, foi realizado um tratamento baseado na utilização de antivirais e sedação profunda, denominado de Protocolo de Milwaukee.
Em 2008, no Brasil, na Unidade de Terapia Intensiva do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco, em Recife-PE, um tratamento semelhante ao utilizado na paciente norte-americana foi aplicado em um jovem de 15 anos de idade, mordido por um morcego hematófago,  tendo como resultados a eliminação viral (clearance viral) e a recuperação clínica.
A primeira cura de raiva humana no Brasil, bem como o sucesso terapêutico da paciente dos Estados Unidos,  abriram novas perspectivas para o tratamento desta doença, considerada até então letal. Diante disso, o Ministério da Saúde reuniu especialistas no assunto e elaborou o primeiro protocolo brasileiro de tratamento para raiva humana baseado no protocolo americano de Milwaukee.
Esse protocolo tem como objetivo orientar a condução clínica de pacientes suspeitos de raiva, na tentativa de reduzir a mortalidade dessa doença.
 Devido o caso ter sido tratado na cidade de Recife-PE e ter sido a primeira experiência bem sucedida no Brasil, esse protocolo foi denominado Protocolo de Recife.

Período de incubação
Variável, podendo ser de um mês a um ano; a maioria dos casos ocorre entre duas semanas a três meses após a agressão.

Fase neurológica
Apresenta-se em duas formas clássicas da doença: furiosa (relacionada principalmente com vírus transmitidos por canídeos) e a paralítica (associada, na maioria dos casos, a vírus transmitidos por morcegos).

Forma furiosa
A infecção progride com manifestações de ansiedade e hiperexcitabilidade crescentes, febre, delírios, espasmos musculares involuntários, generalizados e/ou convulsões. Espasmos dos músculos da laringe, faringe e língua ocorrem quando o paciente vê ou tenta ingerir líquido (hidrofobia), apresentando concomitantemente sialorréia intensa, disfagia, aerofobia, hiperacusia, fotofobia.

Forma paralítica
Ocorre parestesia, dor e prurido no sítio da mordedura, evoluindo com paralisia muscular flácida precoce.
Em geral a sensibilidade é preservada. A febre também é marcante, geralmente elevada e intermitente. O quadro de paralisia leva a alterações cardiorespiratórias, retenção urinária, obstipação intestinal; embora se observem espasmos musculares (especialmente laringe e faringe), não se observa claramente a hidrofobia, e a consciência é preservada na maioria dos casos.
A disautonomia (bradicardia, bradiarritmia, taquicardia, taquiarritmia, hipo ou hipertensão arterial) e insuficiência respiratória são as principais causas de morte, podendo ocorrer nas duas formas. Sem suporte cardiorespiratório, o paciente evolui a óbito entre cinco a sete dias na forma furiosa e até 14 dias na forma paralítica.

Diagnóstico diferencial
Outras encefalites virais, especialmente as causadas por outros rabdovírus e arbovírus; enteroviroses; tétano; pasteureloses por mordedura de gato e de cão; infecção por vírus B (Herpesvirus simiae) por mordedura de macaco; botulismo; febre por mordida de rato; febre por arranhadura de gato (linforreticulose benigna de inoculação); e tularemia.

Conduta antes de ter o diagnóstico confirmado laboratorialmente
- Conduzir todo paciente com suspeita clinicoepidemiológica de raiva humana no serviço de referência do Estado para tratamento de raiva e em ambiente de unidade de terapia intensiva (UTI).
- Colocar o paciente em isolamento de contato, usando equipamento de proteção individual adequado (avental de manga longa, máscara, luvas, óculos).
- Providenciar precocemente acesso venoso central, sondagem vesical de demora e sondagem nasoenteral.
- Dieta hipercalórica e hiperprotéica: iniciar o mais precocemente, por via enteral quando possível; em adultos preferir a posição gástrica da sonda; deixar em posição pós-pilórica na presença de distensão e hipersecreção gástricas; em crianças usar posição pós-pilórica da sonda; fazer acompanhamento nutricional para monitoração de provável perda ponderal significativa.
- Manter paciente normovolêmico, usando soluções isotônicas.
- Intubação traqueal: seguir as indicações clássicas; ressaltar a necessidade de vigilância quanto à possível hipersalivação.
- Suporte ventilatório: seguir a rotina do serviço, garantindo boa oxigenação, normoventilação e proteção pulmonar.
- Sedação para adaptação à ventilação mecânica: seguir a rotina do serviço; sugere-se uso de Midazolan (0,03 a 0,6mg/kg/h) associado a Fentanil (1 a 2mcg/kg/h); se disponível, trocar Fentanil por Ketamina (0,5 a 1,0mg/kg/h) – caso não tenha Ketamina, providenciar para uso obrigatório quando confirmado raiva; evitar barbitúricos e propofol e monitorar com escala de sedação (Ramsey IV), índice biespectral (BIS) ou eletroencefalograma (EEG).
- Nimodipina – 60mg via enteral de 4/4h.
- Vitamina C – 1g IV ao dia.
- Profilaxia para trombose venosa profunda (TVP): usar dose recomendada para pacientes de alto risco e preferir heparina de baixo peso molecular.
Profilaxia de hemorragia digestiva alta: utilizar Ranitidina (50mg IV de 8/8h) ou inibidor de bomba de prótons.
- Profilaxia de úlcera de pressão.
- Objetivos terapêuticos a serem seguidos para reduzir o risco de lesão neurológica secundária: cabeceira elevada a 30° com cabeça centralizada em relação ao tronco; REALIZAR mudança de decúbito a cada 3 horas; pressão arterial média (PAM) ≥80mmHg; PVC = 8-12mmHg (10-14mmHg quando em ventilação mecânica);
Saturação periférica de oxigênio (oximetria/SpO2) ≥94%; PaCO2 = 35-40mmHg; NÃO fazer hiperventilação;  Pressão de platô das vias aéreas <30cmH2O (proteção pulmonar); hemoglobina ≥10g%; Natremia (Na+) = 140-150mEq/L; glicemia = 70-110mg%; em adultos iniciar infusão venosa contínua de insulina quando Glicemia >180mg%, conforme protocolo próprio; manter diurese >0,5ml/kg/h com adequada hidratação; evitar uso de diuréticos e aferir temperatura central (esofágica, retal ou timpânica) e manter entre 35 e 37°C com: controle da temperatura ambiental, drogas e resfriamento superficial.

Conduta após confirmação laboratorial da Raiva
- Manter todas as condutas acima descritas e mais as abaixo relacionadas.
- Amantadina – 100mg via enteral de 12/12h; NÃO usar Ribavirina.
- Biopterina – 2mg/kg via enteral de 8/8h (disponível no Ministério da Saúde).
- Sedação profunda: Midazolan (1 a 2mg/kg/h) associado a Ketamina (2mg/kg/h) – suspender Fentanil se estiver em uso; as doses acima não devem ser muito aumentadas; se necessário para otimizar a sedação, associar Fentanil; evitar uso de barbitúricos e propofol e monitorar com escala de sedação (Ramsey VI), BIS ou EEG.

Conduta clínica
Suspensão da sedação: deverá ser feita de forma gradual (redução de 0,5mg/kg/h de cada droga a cada 12h) quando atingir nível de anticorpos no LCR de 3-5UI/ml e imunomodulação: deverá ser feita quando houver altos títulos de anticorpos no LCR (>10UI/mL no LCR) ou elevação rápida (discutir com consultores); usar corticosteróide, porém as decisões sobre a droga a ser utilizada, dose e momento do seu início deverão ser feitas em conjunto com os consultores.
Suspensão do isolamento de contato: após três amostras de saliva negativas pela RT-PCR e clearance viral: confirmada após três amostras negativas pela RT-PCR no espécime clínico que confirmou o caso (saliva, folículo piloso ou LCR).

Observação: acessar o site www.saude.gov.br/svs e acessar o tópico de A a Z – raiva para obter informações sobre medidas assistenciais de enfermagem, doses e referências pediátricas, ficha de notificação, fluxogramas e modelo de termo de consentimento.
Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 18(4):385-394, out-dez 2009

Corpúsculos de NEGRI, patognomônicos (característica específica) para a Raiva.