segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

CARCINOMA INFLAMATÓRIO MAMÁRIO CANINO - REVISÃO DE LITERATURA

Simone Scarpin de Sá1, Cláudia Sampaio Fonseca Repetti2


1 Médica Veterinária, Residente R1 da Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais da Universidade de Marília – UNIMAR. Av. Higyno Muzzi Filho, 1001. Campus Universitário. CEP: 17525-902. Marília, São Paulo.


2 Médica Veterinária, Docente do curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias da UNIMAR. Av. Higyno Muzzi Filho, 1001. Campus Universitário. CEP: 17525-902. Marília – São Paulo.


Acta Veterinaria Brasilica, v.5, n.1, p.8-14, 2011




O Carcinoma Inflamatório Mamário (CIM) é um subtipo raro de tumor das glândulas mamárias, altamente agressivo que ocorre espontaneamente em mulheres e cadelas (Peña et al., 2003). A doença em cadelas foi descrita pela primeira vez em 1983 (Susaneck et al., 1983), no entanto, já existem relatos de gatas com a mesma sintomatologia de CIM (Pérez-Alenza et al., 2004).

Os hormônios esteróides sexuais femininos, principalmente o estrógeno, desempenham papel fundamental na carcinogênese mamária em mamíferos, incluindo as cadelas (Fonseca & Daleck, 2000; Silva et al., 2004).

A cicloxigenase-2 (COX-2) é uma enzima conversora do ácido araquidônico em prostaglandina, um mediador lipídico que está envolvido em vários processos fisiológicos e patológicos inclusive a carcinogênese (Doré et al., 2003; Heller et al., 2005; Brunelle et al., 2006). A COX-2 é considerada uma enzima indutora, pois precisa ser estimulada por diferentes agonistas para ser detectável nos tecidos. Seu principal metabólito é a PGE2, que promove mitose nas células epiteliais mamárias, estando em nível elevado em alguns tumores mamários caninos. Os efeitos da PGE2 na proliferação celular, apoptose e angiogênese contribuem para a tumorigênese (Brunelle et al., 2006). (Acredito que esse parágrafo explica o benefício de fazer uso de AINES inibidores da cox-2 em pacientes oncológicos). 

Condições celulares, tais como hipóxia, citocinas (Interleucina 6), oncogenes e fator de crescimento vascular endotelial levam ao aumento da expressão de COX-2 (Heller et al., 2005).

Quanto mais indiferenciado for o tumor, maior será a intensidade e frequência da expressão de COX-2 quando comparadas aos tumores bem diferenciados (Heller et al, 2005). 

Queiroga et al. (2005) e Selmi et al. (2007) relataram altos níveis de COX-2 em CIM possibilitando novos estudos de terapêutica para este tipo especial de tumor mamário em mulheres e cadelas.

Os cães acometidos por CIM apresentam as glândulas mamárias difusamente edemaciadas com pouca demarcação entre os tecidos (Withrow & Macewen, 1989; Silva, 2006) tornando a região firme, sob forma de placas, quente e dolorosa à palpação (Pérez-Alenza et al., 2004) com possível espessamento de pele e secreção sero-sanguinolenta (Gomes et al., 2006). Pode envolver toda ou parte da cadeia mamária, podendo ser unilateral ou bilateral (Withrow & Macewen, 1989).

Outros sintomas incluem anorexia, fraqueza generalizada, perda de peso, edema de membros e claudicação (Pérez-Alenza et al., 2001).

Os carcinomas inflamatórios possuem alto poder metastático disseminando primeiramente para os linfonodos inguinais e íliacos internos (De Nardi et al., 2008). O enfartamento dos linfonodos regionais é facilmente identificado por inspeção e palpação dos mesmos e, devido à invasão tumoral sobre os vasos linfáticos aferentes, os animais acometidos apresentam edema em um ou mais membros levando à hipofunção dos mesmos (Bentubo et al., 2006). Outros locais de metástases incluem os pulmões, o fígado, os rins e, com menor freqüência, os ossos (De Nardi et al., 2008).

O diagnóstico é obtido pelo histórico de rápido e difuso crescimento tumoral e pelos sinais clínicos como acometimento das mamas, eritema local, dor, hematoma de pele e edema dos membros secundário à oclusão dos vasos linfáticos (Bergman, 2007; De Nardi et al., 2008). Radiografias torácicas devem ser tiradas para exclusão de metástase em pulmões e em linfonodos esternais (Withrow & Macewen, 1989).

O coagulograma está indicado em cães com CIM devido a ocorrência simultânea da coagulação intravascular disseminada (Withrow & Macewen, 1989; De Nardi et al., 2008). 

A maioria dos pacientes oncológicos apresenta CID crônica assintomática apresentando achados laboratoriais compatíveis como trombocitopenia, prolongamento de tempo de tromboplastina parcial ativada, fibrinogênio diminuído, presença de esquistócitos e anemia, mesmo não manifestando quadro hemorrágico espontâneo (Mangieri, 2008).

As amostras obtidas por citologia aspirativa por agulha fina (CAAF), em animais com CIM, revelam intenso processo inflamatório composto de neutrófilos e linfócitos e presença de grandes células epiteliais isoladas ou agrupadas com características citológicas de malignidade (Zuccari et al., 2001; Pérez-Alenza et al., 2004). Entretanto, o diagnóstico só poderá ser definitivo por meio de biópsia incisional e exame histopatológico (Withrow & Macewen, 1989; De Nardi et al., 2008).

A presença de êmbolos neoplásicos em vasos linfáticos da derme é um critério histopatológico para confirmar o CIM. Porém, quando esses êmbolos são identificados e o paciente não possui sinais clínicos da doença, o tumor é classificado como carcinoma inflamatório oculto que frequentemente precede o CIM. (INTERESSANTE!)

A ocorrência de CIM é geralmente na fase lútea do ciclo estral e terapia prévia com progestágenos está normalmente associada com pior curso clínico do tumor e maior evidência de malignidade observada ao exame histopatológico (Peña et al., 2003).

O tratamento de escolha para neoplasias mamárias é a excisão cirúrgica exceto quando há CIM (Withrow & Macewen, 1989; De Nardi, 2002; Silva, 2006), pois se trata de um tumor extremamente invasivo promovendo rápida disseminação. Quando realizada a exérese tumoral, as recidivas tendem a aparecer em poucas semanas ou meses. Além do mais, esses animais podem desenvolver síndromes paraneoplásicas, sendo a mais comum a coagulação intravascular disseminada (CID) manifestada por hemorragia excessiva durante a cirurgia (Withrow & Macewen, 1989).

Marconato et al. (2009) observaram que cadelas com CIM submetidas à mastectomia seguido de tratamento médico (administração de piroxicam e/ou quimioterápicos) tiveram maior sobrevida comparado àquelas que foram submetidas somente ao tratamento médico. Sugeriram que cães com envolvimento cutâneo limitado, ausência de metástase pulmonar e parâmetros normais de coagulação são candidatos para essa modalidade de tratamento. Pela dificuldade em realizar a cirurgia obtendo-se margens de segurança adequadas, os autores recomendam protocolo adjuvante de quimioterapia para controle da doença local e metástases.

Clemente et al. (2009) realizaram estudo comparativo em relação ao tempo de sobrevida de cadelas portadoras de CIM submetidas a protocolo quimioterápico associado a terapia de suporte ou medicados somente com tratamento paliativo. O protocolo quimioterápico consistia na administração de mitoxantrone (5,5mg/m2, IV, dia 01), vincristina (0,75mg/m2, IV, dia 07) e ciclofosfamida (200mg/m2, IV, dia 15) repetidos a cada 21 dias, ou somente mitoxantrone (5,5mg/m2, IV, repetido a cada 21 dias). Os animais receberam tratamento paliativo com antibiótico amoxicilina e ácido clavulânico a cada 12 horas (20 a 22mg/kg) associado a antiinflamatório não esteroidal piroxicam (0,3mg/kg a cada 24 horas) ou esteroidal prednisona (0,5mg/kg a cada 24 horas). Os autores observaram que os animais que receberam quimioterapia com mitoxantrone associados ou não aos demais quimioterápicos tiveram maior tempo de sobrevida (57 dias) quando comparado aos animais que receberam tratamento paliativo (35 dias), porém nenhum protocolo resultou em completa remissão tumoral.

Marconato et al. (2009) obtiveram resultados satisfatórios ao tratar cadelas com CIM associando piroxicam (0,3mg/kg, VO, SID) a carboplatina (300mg/m2, IV, a cada 21 dias) ou doxorrubicina (30mg/m2, IV, a cada 21 dias), com tempo médio de sobrevida de 80 dias, comparado a 24 dias de sobrevida para os animais que não receberam qualquer tipo de tratamento.

Alguns animais que são tratados com quimioterapia podem apresentar efeitos adversos como sinais de toxicidade gastroentérica (vômito, anorexia e diarréia), fraqueza, febre, leucopenia e cistite hemorrágica (Clemente et al., 2009).

Souza et al. (2009) concluíram, em seu experimento, que o piroxicam utilizado como agente terapêutico único em cadelas com CIM proporciona aumento da qualidade de vida e do tempo de sobrevida quando comparado aos animais tratados com protocolos quimioterápicos tradicionais.

O CIM é extremamente maligno e possui grave prognóstico devido ao seu rápido crescimento, alta ocorrência de metástases num período curto após apresentação do tumor e tempo de sobrevida extremamente baixo (Gomes et al., 2006; Silva, 2006; Bergman, 2007).

É o único tumor maligno de origem epitelial que possui prognóstico pior que os sarcomas (Cavalcanti & Cassali, 2006).




As fotos correspondem ao período de 3 semanas após o aparecimento do edema da mama. A cadela ainda passou 3 meses sob tratamento de fototerapia, sem sucesso infelizmente. 











segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

ATUALIZAÇÃO EM DOENÇA RENAL POLICÍSTICA FELINA

CAROS LEITORES, FINALMENTE O BLOG DEU O AR DA GRAÇA EM 2012. ESPERO QUE GOSTEM DA PRIMEIRA POSTAGEM DO ANO. OBRIGADO E BOA LEITURA!



Guadalupe Sampaio Ferreira1,*, André Luiz Baptista Galvão2, Jose Javier Mesa Socha2


1Mestranda do Departamento de Clínica e Cirurgia da FCAV, Unesp, Jaboticabal, SP.
2Doutorando do Departamento de Clínica e Cirurgia da FCAV, Unesp, Jaboticabal, SP.


* Autor para correspondência. E-mail: ferreira.guadalupe@gmail.com 


Acta Veterinaria Brasilica, v.4, n.4, p.227-232, 2010



A doença renal policística (DRP) é uma enfermidade congênita caracterizada pelo desenvolvimento de cistos renais que culminam com insuficiência renal crônica (Biller et al., 1996).



Acomete diferentes 
raças de gatos, mas é particularmente prevalente em 
animais da raça Persa (Avgeris & Daniel, 1990; 
Biller et al., 2002; DiBartola, 2000). Nesta raça, 
assim como nas raças originadas de cruzamentos de 
persas, como a himalaia, e animais da raça exótica 
foi comprovado que esta doença está relacionada a 
um caráter hereditário autossômico dominante 
(Biller et al., 2002; Eaton et al., 1997).




Rins policísticos contêm muitos cistos que comprometem numerosos néfrons de tal modo que o rim pode apresentar um aspecto de “queijo suíço”. À medida que os cistos aumentam de tamanho, comprimem o parênquima adjacente (Carton & Gavin, 1999).


O crescente aumento da disponibilidade da ultrassonografia diagnóstica na clínica de pequenos animais observado nos últimos dez anos tem possibilidade a identificação de animais positivos, anteriormente limitada pela inexistência de um método diagnóstico ante mortem sensível e não invasivo. Além disso, a ultrassonografia permite o diagnóstico precoce da doença, isto é, antes do desenvolvimento de insuficiência renal (Biller, 1994).



A DRP é caracterizada pela presença de cistos de vários tamanhos que podem ocorrer no córtex ou na medula renal e, ocasionalmente, no fígado, no pâncreas e baço.



Os cistos podem estar presentes em animais jovens. No entanto, a manifestação clínica da doença não ocorre antes da meia idade (Eaton et al., 1997).



O caráter hereditário autossômico dominante está relacionado com três tipos de formas de genes. O P representa a forma dominante e p representa a forma recessiva. Cada indivíduo carrega dois genes no lócus para DRP: um materno e um paterno. Desta forma, os genes podem prover três combinações que são: PP como forma genotípica de homozigotos positivos e fenotípica positiva, Pp como forma genotípica de heterozigotos positivos e fenotípica positiva e pp como forma genotípica de homozigotos negativo e fenotípica negativa (Biller et al., 1996).



Os animais homozigotos dominantes portadores de um gene DRP proveniente do pai e outra da mãe não sobrevivem. Estes animais possuem uma forma grave e letal da doença que apresenta óbito intra-uterino ou falência renal precoce (Young et al., 2005).



Os pais geneticamente recessivos e negativos para DRP pp não podem produzir em sua descendência gatinhos positivos, a menos que haja uma mutação genética (Biller et al., 1996).



Todos os gatos atingidos são heterozigotos (possuem um gene sadio e um gene atingido). Desta forma, o cruzamento de dois gatos negativos (homozigotos) resulta em gatos sadios. O cruzamento de um gato sadio (homozigoto) com um gato atingido (hererozigoto) apresenta a probabilidade de metade de gatos sadios e outra metade de gatos atingidos. O cruzamento de dois gatos com DRP (heterozigoto) produz estatisticamente 75% de gatos atingidos pela doença e 25% de gatos sadios. Entre os gatos atingidos, um terço será homozigoto, dominante e, portanto, não viável (Roux & Deschamps, 2005).



Não existem dados científicos quanto a sua prevalência no Brasil, o que torna mais difícil o seu controle nesse país (Gonzalez & Fróes, 2003; Young et al, 2005). Os gatos de pêlo curto e sem raça definida também são amplamente comprometidos pela DRP no Brasil, tornando-se necessária uma investigação mais abrangente em relação a todas as raças de gatos neste país (Ferrante, 2004).



Pesquisas estão sendo realizadas nos Estados Unidos e em países da Europa, com intuito de estudar a freqüência e as raças acometidas (Cannon et al., 2001; DiBartola, 2000; Newell,2010). Esses estudos são realizados com o auxílio do exame ultrassonográfico, que apresenta 100% de especificidade e 75% de sensibilidade após a 16º semana de idade, e 100% de especificidade e 91% de sensibilidade após a 36º semana de idade (Biller et al., 1996). Outros autores relatam que com o emprego de transdutores de alta resolução, como o de 7,5 MHz, pode-se alcançar valores de sensibilidade de 98% em gatos acima de dez meses de idade (Lyons, 2010; Newell,2010; White, 2010).



Os sinais clínicos são variáveis, estando associados ao crescimento dos cistos e a progressiva compressão do parênquima que causa a insuficiência renal (Biller, 1994; Feldhahn, 1995; Le Bordo, 2010). Os sinais ocorrem por volta de três a dez anos de idade. Pode-se observar letargia, anorexia, vômito, polidipsia, poliúria, perda de peso e hematúria, relacionados com a insuficiência renal crônica (Biller et al., 1994; Lulich et al., 1995; Malik et al., 1990). Se os cistos tornarem-se infectados, os animais poderão apresentar febre, piúria e leucocitose (Crawford, 1993).



Os gatos portadores de DRP podem ser assintomáticos, caso o comprometimento seja unilateral, ou demonstrar sinais de insuficiência renal, quando for bilateral (Beck & Lavelle, 2001).



O diagnóstico da doença renal policística em gatos é realizado utilizando-se os sinais clínicos, achados laboratoriais, resultados de imagens obtidas por exame radiográfico, ultrassonográfico, tomografia computadorizada, urografia excretora e biópsia renal (Biller et al., 1990). 



Nos exames laboratoriais é possível identificar graus variados de azotemia, acidose metabólica, hiperfosfatemia e anemia não regenerativa podem ser observados (Biller et al., 1994). Na urinálise observa-se baixa densidade urinária, sedimento inativo e proteinúria discreta a moderada (Greco, 2001).



Através do exame ultrassonográfico pode-se visualizar cistos renais em gatos muito jovens, ou seja, com seis a oito semanas de vida. Porém, a ausência de cistos nessa idade não é conclusiva para o diagnóstico, podendo ocorrer resultados falso-negativos quando houver cistos muito pequenos (Biller et al, 1990).



Cistos que apresentam complicações, como hemorragias ou infecções, geralmente apresentam conteúdos ecóicos e hipoecóicos e paredes delgadas. Nesses casos, os cistos devem ser diferenciados de linfomas, hematomas e abcessos renais (Biller, 1996).



A biópsia renal é contra-indicada na presença de cistos, abcessos e hidronefrose. Nesses casos, a realização de exames menos invasivos, como ultrassom, é mais aconselhada (Feldhahn, 1995).



Não há tratamento específico para doença renal policística. Portanto, os animais devem ser tratados como insuficientes renais crônicos (Feldhahn, 1995).



O interstício renal ou o cisto pode predispor a infecções secundárias, e quando presente a infecção é um fator agravante dos sintomas de dor, anorexia e apatia (Biller et al., 1994). A infecção deve ser tratada com antibióticos que penetram na parede do cisto (Bennett, 2002; Biller et al., 1994; Lulich et al., 1995). Acredita-se que antibióticos lipofílicos tenham maior penetração. Em humanos, os mais utilizados são sulfa-trimetoprim, cloranfenicol e quinolonas (norfloxacina e ciprofloxacina) (Bennett, 2002; Biller et al., 1994).



O prognóstico para gatos portadores de doença renal policística deve ser sempre reservado. Porém, a sintomatologia clínica relacionada à insuficiência renal crônica terminal, vai estar relacionada com a quantidade e o número de cistos que o animal possui. O prognóstico vai depende também do estágio de evolução da doença renal crônica, da resposta do gato ao tratamento inicial e do desejo do proprietário em dar continuidade ao tratamento (Norsworthy, 2004).