terça-feira, 24 de julho de 2012

HIPERADRENOCORTICISMO IATROGÊNICO POR USO DE SOLUÇÃO OTOLÓGICA CONTENDO 0,1% DE DEXAMETASONA EM CANINO: RELATO DE CASO

Fausto Yudi Saito ¹ *, Flávia Gaffrée Braz da Cruz ², Nathalia Costa da Silva Borges ¹

¹ : Graduando em Medicina Veterinária, Universidade Federal Fluminense.
² : Médica veterinária, Mestre, formada pela Universidade Federal Fluminense.
*:Correspondência: Rua Cosme Velho, 67, apto 403, Rio de Janeiro, CEP: 22241-090, fausto.saito@hotmail.com


O hiperadrenocorticismo (HAC) iatrogênico pode ser causado pela administração excessiva de ACTH (raro) ou de excesso de medicação com glicocorticóide (comum) (REUSCH, 2005). Ele pode se desenvolver como resultado da administração de medicamentos à base de glicocorticóide destinados aos olhos, ouvidos ou pele, especialmente em cães pequenos que recebem esses medicamentos por tempo prolongado (NELSON & COUTO, 2006). Como o eixo hipotalâmico – hipofisário – adrenocortical está normal, a administração excessiva e prolongada de glicocorticóides suprime as concentrações hipotalâmicas de HLC (hormônio liberador de corticotropina), causando atrofia adrenocortical bilateral (NELSON & COUTO, 2006).


Os sinais clínicos mais comumente encontrados são: polidipsia, poliúria, polifagia, dilatação abdominal, menor tolerância ao exercício, letargia, obesidade, alopecia, calcinose cutânea, hiperpigmentação cutânea, hepatomegalia (REUSCH, 2005).


Os achados hematológicos são compatíveis com leucograma de estresse, com linfopenia, eosinopenia, podendo estar presentes neutrofilia e monocitose (DUNN, 2001). Na bioquímica sérica, encontra-se aumento de Fosfatase Alcalina, ALT, colesterol, glicemia em jejum (REUSCH, 2005).


O teste de estimulação pelo ACTH é um teste de triagem relativamente confiável, simples e seguro na avaliação diagnóstica. A precisão desse teste para identificar HAC é de aproximadamente 80% (NELSON & COUTO, 2006).


Nesses animais, os resultados do teste de estimulação pelo ACTH são consistentes com hipoadrenocorticismo espontâneo, apesar dos sinais clínicos de HAC (NELSON & COUTO, 2006). O tratamento se dá pela suspensão do glicocorticóide exógeno.


Em Outubro de 2010, foi atendido no hospital veterinário Vet Care, um cão da raça Pug, macho, com 10 kgs e 8 anos.


Seu proprietário relatou que o animal estava sendo tratado para otite há 29 dias, com uma solução manipulada, em que um dos componentes era dexametasona 0,1%. Segundo o relato, a partir do 11º dia de tratamento o animal começou a apresentar polidipsia, poliúria, polifagia. Ao exame físico, observou-se que o animal possuía dilatação abdominal, alopecia localizada com hiperpigmentação em região da garupa.


Foi feita a coleta de sangue para a realização de hemograma completo, perfil bioquímico sérico e requisições para que fossem feitos ultrassonografia e teste de estimulação por ACTH.


Os achados do hemograma completo foram: Anemia normocítica normocrômica, linfopenia, monocitose, eosinopenia e trombocitose. Já no perfil bioquímico sérico, foram observados: ALT: 356 U/L (referências: 21 – 102 U/L), Fosfatase Alcalina: 3828 U/L (referências: 20 – 156 U/L), Colesterol total 399 mg/dL ( referências: 135 – 270 mg/dL).


Ao teste de estimulação por ACTH, o valor encontrado do cortisol pós ACTH foi de 4,0 ng/ml, sendo o normal na faixa de 60 – 170 ng/ml. O exame ultrassonográfico realizado indicou imagem sugestiva de hepatopatia difusa crônica (compatível com endocrinopatia).


O uso da medicação tópica contendo Dexametasona 0,1% foi suspenso e foi prescrito SAMe (S adenosilmetionina) 250 mg, uso oral, durante trinta dias. O SAMe é elaborado por todas as células a partir da metionina e adenosina trifosfato (ATP), desempenhando função na síntese e reações metabólicas atuando na vias de transmetilação (estabilização da membranas fosfolipídicas celulares), transulfuração  (desintoxicação e ação anti-oxidante pela glutationa) e aminopropilação (crescimento e reparação celular). Dessa forma, o SAMe incrementa os níveis hepáticos de glutationa, melhorando a fluidez e diminuindo a fragilidade da membrana celular através da transmetilação, além de ter sido demonstrado que protege o hepatócito da morte celular (MUNGUÍA, 2008; NEVES, 2009).

Ao final dos trinta dias de tratamento, foi coletada uma nova amostra de sangue para que  fossem realizadas novamente as dosagens de ALT e Fosfatase Alcalina. Nesse exame encontrou-se ALT: 94 (referências: 21 – 102 U/L), e Fosfatase Alcalina 191 (referências: 20 – 156 U/L). Foi realizado também outro teste de estimulação por ACTH, obtendo o valor de 118 ng/ml (valores de referência: 60 -170 ng/ml).



Assim, com base no histórico do animal, na anamnese, no exame físico, nos resultados dos exames solicitados e na evolução do quadro após a suspensão do medicamento manipulado contendo glicocorticóide, confirmou se tratar de um caso de hiperadrenocorticismo iatrogênico.



Esse relato de caso, reforça a idéia de Ghubash, Marsella, Kunkle (2004) acerca da supressão de adrenal que medicamentos contendo glicocorticóides podem exercer. Dessa forma, o caso demonstra a importância clínica do uso com cautela de medicamentos à base de glicocorticóides. Tal cautela é importante, pois conforme a sensibilidade de cada paciente, até mesmo o uso de pequenas concentrações já podem ser suficientes para desencadear problemas endócrinos como Hiperadrenocorticismo iatrogênico.


















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