sexta-feira, 30 de setembro de 2011

DIABETES MELLITUS JUVENIL EM CÃO: RELATO DE CASO

O diabetes mellitus (DM)  é uma doença do pâncreas endócrino decorrente da deficiência insulínica. Embora seja considerada uma das endocrinopatias mais comuns em cães acima de 7 anos de idade (PANCIERA et al., 1990), nos filhotes é uma doença rara e desafiadora (NEIGER, 1996). Indivíduos com menos de 1 ano de idade representam menos de 1% dos cães diabéticos (CHASTAIN 1990). Assim como ocorre em cães idosos,  no diabetes juvenil  a  etiologia é multifatorial aonde indivíduos geneticamente predispostos desenvolvem uma resposta imunológica que leva a destruição das células beta com progressiva deficiência de insulina (EISENBARTH, 1986). É possível encontrar no momento do diagnóstico, auto-anticorpos direcionados a vários componentes das ilhotas de Langerhans (ex: células beta) de filhotes diabéticos (HOENIG, 2002).  A maioria dos filhotes portanto exibem a forma dependente de insulina (DMDI). 

Em estudo recente demonstrou-se a existência de  genes  caninos  que aumentam a susceptibilidade ao DM em algumas raças enquanto promovem uma  maior resistência à  essa doença em outras (SHORT, 2006). Vinte e quatro  genes já identificados parecem colaborar com a  susceptibilidade ao DM particularmente 
nos jovens (SHORT 2007). Além  do caráter genético,  outros fatores que parecem ser favoráveis  ao surgimento do DM juvenil incluem: infecção por parvovírus (NELSON, 1989); desaparecimento progressivo das células beta (SEBBAG & SAI, 1991) e insulite imunomediada (MINKUS, 1991). Acredita-se que a destruição das células ß seja mediada por linfócitos T helper 1 e citocinas (IFN?, ITNFa e IL-2) (SHORT, 2007). O DM acomete mais  comumente as fêmeas e dentre as raças consideradas predispostas à doença estão: Pinscher miniatura,  Poodle,  Schnauzer miniatura,  Dachshund e  Beagle. (FELDMAN & NELSON,  2004).

Os sinais clínicos do DM em cães jovens são muito semelhantes àqueles presentes em indivíduos idosos. Além dos sinais clássicos de poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso progressiva, pode ser evidente o subdesenvolvimento devido a privação calórica (GRECO, 2001). As complicações  também são comuns e incluem  a formação de catarata com  cegueira súbita, e a ceto-acidose diabética (NELSON, 1989).

O diagnóstico do diabetes mellitus é feito através da presença dos sinais clínicos associado  à documentação de hiperglicemia persistente e glicosúria no jejum. Como alternativa pode-se dosar a frutosamina sérica.

O tratamento do DM juvenil pode ser difícil inicialmente , pois estes animais estão crescendo rapidamente. 
A terapia baseia-se na administração de insulina lenta ou NPH, de origem suína ou humana associada com alimentação. A necessidade de insulina pode alterar drasticamente em uma base diária ou semanal, em função do crescimento .  Deve-se iniciar com uma dose de insulina de 0,5 – 1,0 UI/kg, que será ajustada  à medida que o animal ganha peso. A alimentação de filhotes diabéticos deve ser à base de ração de crescimento que pode ser dividida em 2 a 4  refeições  diárias. Os requisitos calóricos devem ser calculados para o crescimento adequado (GRECO, 2001; FELDMAN & NELSON, 2004).

MATERIAL E MÉTODOS

Um filhote da raça Pinscher, macho com 6 meses de idade, foi levado ao serviço de Endocrinologia do Hospital Universitário Veterinário da Universidade Federal Fluminense por apresentar sinais progressivos de poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso. O animal já havia sido atendido em outras clínicas veterinárias por apresentar episódios de vômito e diarréia há 3 semanas. Na ocasião, um dos veterinários responsáveis constatou glicemia de 338mg/dL e anemia. O animal não estava recebendo nenhum tratamento no momento da consulta. O proprietário informou que o  canino nasceu de uma ninhada de 3 filhotes machos,  tinha um crescimento reduzido em comparação aos demais e era o único que apresentava  os sinais clínicos descritos anteriormente. Ainda segundo ele, os pais que tem parentesco entre si (mãe e irmão) eram de sua propriedade e nunca apresentaram sinais ou sintomas semelhantes.

Ao exame físico, o filhote encontrava-se extremamente apático e caquético (peso = 950g). Apresentava mucosas hipocoradas, desidratação leve e ligeira hepatomegalia. Exames gerais de sangue (hemograma e bioquímica) e urina foram solicitados. 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A glicemia do animal obtida no consultório em jejum foi de 469mg/dL (ref.: 70 - 120).  O  hemograma  demonstrou uma anemia normocítica, normocrômica regenerativa.  A bioquímica  sérica apresentou como únicas alterações, uma elevação da alaninaaminotransferase (ALT= 141UI/L; ref.: 21–102UI/L) e da fosfatase alcalina 347,8 UI/L (ref.: 20 – 156UI/L). A urinálise demonstrou glicosúria = 1000mg/dL com ausência de corpos cetônicos.  Diante dos sinais clínicos e dos exames laboratoriais, o diagnóstico de diabetes mellitus foi firmado.

No mesmo dia iniciou-se o tratamento a base de insulina canina lenta por via subcutânea 0,5UI/kg/BID e dieta de manutenção para filhotes. A dieta foi calculada de acordo com o peso e dividida em duas porções diárias antes do horário de aplicação de insulina. O animal foi reavaliado semanalmente, e a dose de insulina assim como a alimentação ajustadas com base na curva glicêmica e no exame físico.

Após a primeira semana de tratamento, o animal iniciou ganho de peso (1100g) e já demonstrava comportamento alerta e brincalhão semelhante aos demais da ninhada, embora os sinais de poliúria, polidipsia e polifagia permanecessem. Quatro semanas do início da terapia o animal já tinha um ganho de peso significativo (1700g) e os sinais de diabetes mellitus estavam ausentes. 

Atualmente o animal está controlado e recebendo 1,0UI/kg/BID de  insulina suína lenta, mas é provável que essa dose tenha que ser reajustada em breve em função do crescimento contínuo dos filhotes (GRECO, 2001). O DM juvenil é uma doença rara e com provado caráter genético. Além de pertencer a uma raça predisposta, o animal aqui descrito nasceu de um cruzamento consanguíneo, o que pode ter influenciado na expressão dos genes (SHORT 2007). Além dos sinais clássicos de DM, a diferença de tamanho em comparação aos demais irmãos era óbvia, resultado da privação calórica determinada pela falta de insulina (GRECO, 2001). 

As alterações bioquímicas encontradas nas enzimas hepáticas, são comuns em animais diabéticos e resultado da  lipidose hepática induzida pela doença (FELDMAN & NELSON, 2004). Apesar de ficar sem tratamento  por aproximadamente 3 semanas do início dos sintomas, o animal não apresentava cetonúria. Uma vez que destruição das células beta é gradual no DM e que a cetoacidose pode se iniciar a partir de 7 dias da ausência de insulina, é possível que uma produção residual de insulina ainda estivesse presente no momento do diagnóstico FELDMAN & NELSON, 2004).

Na útima revisão o animal já apresentava uma das complicações mais comuns da doença que é a catarata diabética. Apesar disso, o prognóstico do Diabetes Mellitus pode ser bom com proprietários bem comprometidos (NELSON, 1989) .




VIEIRA, A.B.1 ; CASTRO, C.O.2*; OSORIO, E.P.3; CASTELO, M.S.M.2; SOARES, A.M.B.4; CASTRO, M.C.N.4

1 Médica Veterinária Autônoma – alinebv@vm.uff.br
2 Aluna de Graduação do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal Fluminense
3 Aluna de Graduação do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Nacional de Costa Rica
4Professora do Departamento de Patologia e Clínica Veterinária / MCV-UFF

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ATKINS,  C.E.; Chin,  H. Insulin Kinects in juvenile canine diabtics after glucose loading. Am J Vet Res. v. 44, p. 596, 1983.

CHASTAIN, CB. Endocrine and metabolic system.  Veterinary Pediatric.  Ed. J. D. Hoskins. W. B. Saunders, Philadelphia, p. 249-252. 1990

EISENBARTH GS: Type 1 diabetes mellitus. A chronic autoimmnune diseases. N Engl J Med v. 314, p. 1360, 1986.

FELDMAN EC, Nelson RW: Canine and Feline Endocrinology and Reproduction, Ed. 3. Philadelphia: WB Saunder, p. 486-538, 2004.

GRECO DS. Diagnosis and treatement of juvenile endocrine disorders in puppies and kittens. Clinical Thetriogenology. v.31, p.403, 2001.

HOENING M. Comparative aspects of diabetes mellitus in dogs and cats.  Mol cell Endocrinol. V.197 (1-2), p. 221-229, 2002.

MINKUS, G., Reusch, C., Hanichen, T,. Colbatzky, F. & Hermanns. Pathologische Veranderungen des endokrinen Pankreas bei Hund und Katze in  Vergleich mit Klinischen Daten. Tierarztliche Praxis v.19, p. 282-289, 1991.

NEIGER R, et al: Exocrine pancreatic insufficiency combined with insulindependent diabetes mellitus in a juvenile German Shepherd dog.  J. of small Animal Practice. v. 37, p. 344-349. 1996.

NELSON, R.W. Disorders of the endocrines pancreas. In: textbook of Veterinary Internal Medicine, 3. ed. Philadelphia: S.J. Ettinger. WB. Saunders, p.1676-1720, 1989

PANCIERA DL, et al: Epizootiologic patterns of diabetes mellitus in cats: 333 cases (1980-1986). Javma p. 197-1504, 1990.

SHORT  AD. The genetics of canine diabetes: a candidate gene study [teses PhD]: Universidade Manchester. 2006

SHORT AD, et al: Analysis of Candidate Susceptibility Genes in Canine
Diabetes. J. of hereditary. v. 98(5), p. 522. 2007

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