terça-feira, 9 de agosto de 2011

Protocolo para Tratamento de Raiva Humana no Brasil


Protocolo para Tratamento de Raiva Humana no Brasil
Endereço para correspondência: 
Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica, Esplanada dos Ministérios,
Bloco G, Edifício-Sede, Sobreloja, Brasília-DF, Brasil. CEP: 70058-900
E-mail: cgdt@saude.gov.br
Departamento de Vigilância Epidemiológica
Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

A raiva é uma encefalite viral aguda, transmitida por mamíferos com letalidade de aproximadamente 100%,  considerada um problema de saúde pública, principalmente em países em desenvolvimento.
Em 2004, nos Estados Unidos, foi feito o primeiro relato, na literatura internacional, de cura da raiva em paciente que não recebeu vacina. Nesse caso, foi realizado um tratamento baseado na utilização de antivirais e sedação profunda, denominado de Protocolo de Milwaukee.
Em 2008, no Brasil, na Unidade de Terapia Intensiva do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco, em Recife-PE, um tratamento semelhante ao utilizado na paciente norte-americana foi aplicado em um jovem de 15 anos de idade, mordido por um morcego hematófago,  tendo como resultados a eliminação viral (clearance viral) e a recuperação clínica.
A primeira cura de raiva humana no Brasil, bem como o sucesso terapêutico da paciente dos Estados Unidos,  abriram novas perspectivas para o tratamento desta doença, considerada até então letal. Diante disso, o Ministério da Saúde reuniu especialistas no assunto e elaborou o primeiro protocolo brasileiro de tratamento para raiva humana baseado no protocolo americano de Milwaukee.
Esse protocolo tem como objetivo orientar a condução clínica de pacientes suspeitos de raiva, na tentativa de reduzir a mortalidade dessa doença.
 Devido o caso ter sido tratado na cidade de Recife-PE e ter sido a primeira experiência bem sucedida no Brasil, esse protocolo foi denominado Protocolo de Recife.

Período de incubação
Variável, podendo ser de um mês a um ano; a maioria dos casos ocorre entre duas semanas a três meses após a agressão.

Fase neurológica
Apresenta-se em duas formas clássicas da doença: furiosa (relacionada principalmente com vírus transmitidos por canídeos) e a paralítica (associada, na maioria dos casos, a vírus transmitidos por morcegos).

Forma furiosa
A infecção progride com manifestações de ansiedade e hiperexcitabilidade crescentes, febre, delírios, espasmos musculares involuntários, generalizados e/ou convulsões. Espasmos dos músculos da laringe, faringe e língua ocorrem quando o paciente vê ou tenta ingerir líquido (hidrofobia), apresentando concomitantemente sialorréia intensa, disfagia, aerofobia, hiperacusia, fotofobia.

Forma paralítica
Ocorre parestesia, dor e prurido no sítio da mordedura, evoluindo com paralisia muscular flácida precoce.
Em geral a sensibilidade é preservada. A febre também é marcante, geralmente elevada e intermitente. O quadro de paralisia leva a alterações cardiorespiratórias, retenção urinária, obstipação intestinal; embora se observem espasmos musculares (especialmente laringe e faringe), não se observa claramente a hidrofobia, e a consciência é preservada na maioria dos casos.
A disautonomia (bradicardia, bradiarritmia, taquicardia, taquiarritmia, hipo ou hipertensão arterial) e insuficiência respiratória são as principais causas de morte, podendo ocorrer nas duas formas. Sem suporte cardiorespiratório, o paciente evolui a óbito entre cinco a sete dias na forma furiosa e até 14 dias na forma paralítica.

Diagnóstico diferencial
Outras encefalites virais, especialmente as causadas por outros rabdovírus e arbovírus; enteroviroses; tétano; pasteureloses por mordedura de gato e de cão; infecção por vírus B (Herpesvirus simiae) por mordedura de macaco; botulismo; febre por mordida de rato; febre por arranhadura de gato (linforreticulose benigna de inoculação); e tularemia.

Conduta antes de ter o diagnóstico confirmado laboratorialmente
- Conduzir todo paciente com suspeita clinicoepidemiológica de raiva humana no serviço de referência do Estado para tratamento de raiva e em ambiente de unidade de terapia intensiva (UTI).
- Colocar o paciente em isolamento de contato, usando equipamento de proteção individual adequado (avental de manga longa, máscara, luvas, óculos).
- Providenciar precocemente acesso venoso central, sondagem vesical de demora e sondagem nasoenteral.
- Dieta hipercalórica e hiperprotéica: iniciar o mais precocemente, por via enteral quando possível; em adultos preferir a posição gástrica da sonda; deixar em posição pós-pilórica na presença de distensão e hipersecreção gástricas; em crianças usar posição pós-pilórica da sonda; fazer acompanhamento nutricional para monitoração de provável perda ponderal significativa.
- Manter paciente normovolêmico, usando soluções isotônicas.
- Intubação traqueal: seguir as indicações clássicas; ressaltar a necessidade de vigilância quanto à possível hipersalivação.
- Suporte ventilatório: seguir a rotina do serviço, garantindo boa oxigenação, normoventilação e proteção pulmonar.
- Sedação para adaptação à ventilação mecânica: seguir a rotina do serviço; sugere-se uso de Midazolan (0,03 a 0,6mg/kg/h) associado a Fentanil (1 a 2mcg/kg/h); se disponível, trocar Fentanil por Ketamina (0,5 a 1,0mg/kg/h) – caso não tenha Ketamina, providenciar para uso obrigatório quando confirmado raiva; evitar barbitúricos e propofol e monitorar com escala de sedação (Ramsey IV), índice biespectral (BIS) ou eletroencefalograma (EEG).
- Nimodipina – 60mg via enteral de 4/4h.
- Vitamina C – 1g IV ao dia.
- Profilaxia para trombose venosa profunda (TVP): usar dose recomendada para pacientes de alto risco e preferir heparina de baixo peso molecular.
Profilaxia de hemorragia digestiva alta: utilizar Ranitidina (50mg IV de 8/8h) ou inibidor de bomba de prótons.
- Profilaxia de úlcera de pressão.
- Objetivos terapêuticos a serem seguidos para reduzir o risco de lesão neurológica secundária: cabeceira elevada a 30° com cabeça centralizada em relação ao tronco; REALIZAR mudança de decúbito a cada 3 horas; pressão arterial média (PAM) ≥80mmHg; PVC = 8-12mmHg (10-14mmHg quando em ventilação mecânica);
Saturação periférica de oxigênio (oximetria/SpO2) ≥94%; PaCO2 = 35-40mmHg; NÃO fazer hiperventilação;  Pressão de platô das vias aéreas <30cmH2O (proteção pulmonar); hemoglobina ≥10g%; Natremia (Na+) = 140-150mEq/L; glicemia = 70-110mg%; em adultos iniciar infusão venosa contínua de insulina quando Glicemia >180mg%, conforme protocolo próprio; manter diurese >0,5ml/kg/h com adequada hidratação; evitar uso de diuréticos e aferir temperatura central (esofágica, retal ou timpânica) e manter entre 35 e 37°C com: controle da temperatura ambiental, drogas e resfriamento superficial.

Conduta após confirmação laboratorial da Raiva
- Manter todas as condutas acima descritas e mais as abaixo relacionadas.
- Amantadina – 100mg via enteral de 12/12h; NÃO usar Ribavirina.
- Biopterina – 2mg/kg via enteral de 8/8h (disponível no Ministério da Saúde).
- Sedação profunda: Midazolan (1 a 2mg/kg/h) associado a Ketamina (2mg/kg/h) – suspender Fentanil se estiver em uso; as doses acima não devem ser muito aumentadas; se necessário para otimizar a sedação, associar Fentanil; evitar uso de barbitúricos e propofol e monitorar com escala de sedação (Ramsey VI), BIS ou EEG.

Conduta clínica
Suspensão da sedação: deverá ser feita de forma gradual (redução de 0,5mg/kg/h de cada droga a cada 12h) quando atingir nível de anticorpos no LCR de 3-5UI/ml e imunomodulação: deverá ser feita quando houver altos títulos de anticorpos no LCR (>10UI/mL no LCR) ou elevação rápida (discutir com consultores); usar corticosteróide, porém as decisões sobre a droga a ser utilizada, dose e momento do seu início deverão ser feitas em conjunto com os consultores.
Suspensão do isolamento de contato: após três amostras de saliva negativas pela RT-PCR e clearance viral: confirmada após três amostras negativas pela RT-PCR no espécime clínico que confirmou o caso (saliva, folículo piloso ou LCR).

Observação: acessar o site www.saude.gov.br/svs e acessar o tópico de A a Z – raiva para obter informações sobre medidas assistenciais de enfermagem, doses e referências pediátricas, ficha de notificação, fluxogramas e modelo de termo de consentimento.
Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 18(4):385-394, out-dez 2009

Corpúsculos de NEGRI, patognomônicos (característica específica) para a Raiva.

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