terça-feira, 29 de novembro de 2011

ABORDAGEM CLÍNICA DE PROBLEMAS NA COLUNA VERTEBRAL E MEDULA ESPINHAL.

Ronaldo Casimiro da Costa, MV, MSc, PhD.
Diplomado ACVIM (American College of Veterinary Internal Medicine) - Neurologia. 
Universidade Federal do Paraná - Campus Palotina, Palotina, PR. 

Resumo da palestra apresentada no VI Congresso Paulista de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais, 20-22 de Setembro de 2006, São Paulo, SP.


Os problemas na coluna vertebral e medula espinhal de cães são a apresentação mais comum em neurologia. Existem diversos aspectos importantes que devem ser levados em consideração para que se obtenha sucesso no diagnóstico e tratamento desses pacientes. Alguns destes pontos serão apresentados a seguir. 

A resenha e a anamnese devem ser analisadas cuidadosamente. Embora a doença do disco intervertebral (DDIV) apresente alta incidência em cães, é muito incomum a ocorrência de DDIV em cães com menos de 2 anos de idade. Na maioria dos casos, o trauma agudo da medula espinhal deve causar sinais agudos e não progressivos, sendo incompatível com a apresentação crônica e progressiva. Em princípio, apresentações agudas não progressivas dos distúrbios da medula espinhal são observadas apenas em processos traumáticos ou vasculares. 

A avaliação da postura e da locomoção é o principal teste para os pacientes com problemas locomotores. A locomoção deve ser avaliada em uma área ampla, não escorregadia, de preferência fora do consultório. O tronco, os membros torácicos e pélvicos devem ser avaliados por todas as direções. Quando se avalia a locomoção, deve-se responder a três perguntas: 

1) A locomoção é normal ou anormal? 
2) Se for anormal, qual(is) membro(s) está(ão) afetado(s)? 
3) Qual o tipo de anormalidade presente? Ataxia? Paresia? Claudicação? 

Desses, a identificação de ataxia é a mais importante. Há 3 tipos de ataxia: vestibular (geralmente associada com inclinação da cabeça), cerebelar (caracterizada por hipermetria e tremores intencionais, dentre outros sinais) e proprioceptiva, que é a comumente observada em distúrbios da medula espinhal. 

Como regra geral, doenças da medula espinhal, afetando a substância branca, são caracterizadas por ataxia proprioceptiva. Ataxia é um conceito extremamente importante para a identificação de problemas neurológicos e localização de lesões. Se o paciente não tiver ataxia, o problema pode estar afetando uma região da coluna vertebral onde a medula espinhal não está presente (ex: região lombossacra), ou qualquer outro do neurônio motor inferior (substância cinzenta medular, nervo espinhal ou periférico, junção neuromuscular ou músculo). 

As reações posturais são testes fundamentais na avaliação de paciente com problemas neurológicos. Embora a literatura descreva vários testes, na prática somente dois são necessários: posicionamento proprioceptivo (propriocepção) e salto ou saltitar. A propriocepção é o teste mais importante. A reação de saltitar serve principalmente para detectar lesões assimétricas não observadas à locomoção ou à propriocepção. Deve-se fazer o cão saltar apenas lateralmente.

Para a avaliação da propriocepção, o peso do paciente deve ser completamente suportado e o teste realizado nos membros pélvicos e torácicos, atentando-se para dobrar cuidadosamente as extremidades dos membros. O paciente deve reposicionar o membro imediatamente. Em geral, se o posicionamento proprioceptivo estiver retardado, pode indicar um problema neurológico, mas não localiza o problema, visto que lesões em qualquer parte da via ascendente ou descendente podem retardar a resposta proprioceptiva (nervo periférico e espinhal, medula espinhal, tronco encefálico, córtex ou tálamo cerebral). 

Deve-se atentar à 2 pontos fundamentais: 

1) Cães com problemas ortopédicos crônicos podem apresentar retardo no reposicionamento proprioceptivo sem evidência de lesões de neurológicas. 

2) Pacientes com mielopatia crônica podem ter propriocepção intacta. 

A propriocepção não diferencia problemas neurológicos de ortopédicos, quem diferencia é o exame da locomoção. A identificação de mielopatia deve ser feita pela presença de ataxia. A propriocepção pode estar normal ou diminuída em pacientes com mielopatias crônicas. 

Os reflexos segmentares ajudam a definir a localização da lesão. Reflexos normais ou aumentados indicam que a lesão está localizada cranial à região de origem dos nervos testados. O autor avalia rotineiramente os seguintes reflexos: reflexo patelar e flexor dos membros pélvicos, reflexo flexor nos membros torácicos, reflexo perineal e reflexo cutâneo do tronco. Não há necessidade de se testar os outros reflexos no membro torácico se o paciente for capaz de sustentar o próprio peso. O tônus muscular dos músculos extensores também é um reflexo e deve ser avaliado. 

Quando se avalia os reflexos, principalmente o patelar, o importante é saber se o reflexo está presente, diminuído ou ausente. Se o reflexo estiver presente não faz muita diferença se está normal ou aumentado, pois ambos achados são sinais de neurônio motor superior. Para o reflexo flexor, o objetivo é não causar dor, mas apenas um estímulo suficiente para que se avalie o arco reflexo e a força de contração do membro. 

Após o exame dos reflexos realiza-se a palpação da musculatura epaxial para tentar identificar locais de dor espinhal. Isso ajuda na localização precisa da lesão para realização de estudos radiográficos simples ou avançados e é de extrema importância no diagnóstico diferencial. 

A nocicepção realizada através do pinçamento dos dígitos dos membros deve ser avaliada somente se o paciente estiver completamente paralisado. Pacientes com paraparesia (função motora parcialmente presente) devem ter nocicepção intacta. 

Mesmo que o paciente apresente-se com queixa de problema locomotor, os outros componentes do exame neurológico não devem ser negligenciados. A análise do estado mental pode indicar um envolvimento multifocal e a avaliação dos nervos cranianos pode revelar déficits que podem sugerir tanto uma lesão central (tronco encefálico) ou periférica (polineuropatia). 

A base da neurologia clínica é a correta localização de lesões. Se a lesão não for localizada corretamente, pouco importa o clínico ter a disposição recursos diagnósticos sofisticados, pois não saberá qual região deverá ser examinada. Se o exame neurológico não for realizado de forma ideal, déficits neurológicos importantes podem ser equivocadamente ignorados. Da mesma forma, outros achados podem ser considerados anormais, enquanto na verdade não os são. 

LEITURA COMPLEMENTAR: 

Parent JM. The canine and feline neurological examination CD-ROM, 2001. www.neuroexamination.com 

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