A castração precoce de cães e gatos vem sendo preconizada para diminuir a superpopulação, evitando a eutanásia e o abandono de animais (Faggella e Aronsohn, 1993). Para castração destes animais os procedimentos mais recomendados são a ovariosalpingohisterectomia (OSH) e orquiectomia, as quais são as cirurgias mais realizadas na prática clínica veterinária (Howe, 2006).
Devido à segurança, o protocolo anestésico mais recomendado para gatos submetidos à castração
cirúrgica é a indução com anestesia geral injetável e manutenção com anestésicos inalatórios Massone, 2008b; Bittencourt et al., 2008). No entanto, essa técnica requer intubação traqueal, aparelhagem adequada e treinamento dos profissionais. Por isso, a utilização desta técnica em campanhas de castração não é muito viável. Além disso, em gatos a intubação traqueal pode ser dificultada devido ao menor diâmetro da traquéia e também, freqüentemente, pela presença do reflexo laringotraqueal (Massone e Cortopassi, 2010).
A anestesia intravenosa produz efeitos cardiovasculares discretos (Keegan e Greene, 1993), e ainda evita a contaminação ambiente por gases anestésicos (Beths et al., 2001). No entanto, a anestesia geral injetável requer a canulação de uma veia periférica, procedimento que pode ser perigoso em felinos agressivos, colocando em risco a mão do manipulador (Massone, 2008b). Além disso, em pacientes muito pequenos, pode ser difícil canular uma veia devido ao pequeno calibre dos vasos periféricos.
O tiopental é um barbitúrico hipnótico que produz anestesia geral de ultracurta duração (Massone,
2008a). Pode ser utilizado em felinos como agente único ou como agente indutor (Thurmon et al., 1996a; Bednarski, 2002). Permite a obtenção de bons planos anestésicos que variam de acordo com a dose aplicada (Massone, 2008a). A dose para pequenos animais é de 25 mg/kg, por via intravenosa, quando não se utiliza tranqüilizante previamente (Bednarski, 1996; Massone, 2008a). Quando se utiliza tranqüilizante na pré-anestesia, a dose pode ser reduzida para 6-12 mg/kg (Bednarski, 2002).
O tiopental deprime o sistema cardiovascular (Thurmon et al., 1996a; Massone, 2008a) e a respiração. Causa queda da pressão e queda da temperatura, devido à depressão do metabolismo basal (Thurmon et al., 1996a). Em gatos agressivos os barbitúricos podem ser administrados por vias alternativas, tais como a intraperitoneal (Massone, 2008b).
O objetivo deste estudo foi avaliar a utilização de tiopental intraperitoneal como protocolo anestésico para realização de OSH e orquiectomia em gatos jovens, principalmente para utilização em mutirões de castração.
Material e métodos
Foram utilizados 20 gatos, com idade mínima de três meses e máxima de seis meses, clinicamente
saudáveis, oriundos da clientela de um Hospital Veterinário Universitário (HVU).
Todos os felinos foram pesados, examinados clinicamente e submetidos a jejum sólido de 12 horas e hídrico de 6 horas. No pré-operatório, em todos os animais foram aferidos temperatura (T) através de introdução de um termômetro clínico no reto, freqüência respiratória (f) por contagem dos movimentos costais e frequência cardíaca (FC) através de auscultação. Foram incluídos no experimento apenas animais clinicamente saudáveis.
Todos os parâmetros (T, f, FC) foram aferidos também após administração da medicação pré-anestésica, após administração do anestésico e de 10 em 10 minutos até o término do período hábil
anestésico.
Todos os animais foram premedicados com flunixin-meglumine na dose de 0,5 mg/kg e penicilina
benzatina na dose de 40.000UI/kg por via intramuscular (IM) Foi administrada acepromazina na dose de 0,2 mg/kg e tramadol na dose de 2 mg/kg associados na mesma seringa IM. A anestesia foi realizada por injeção intraperitoneal de tiopental a 2,5% na dose de 30 mg/kg. O fármaco foi injetado no quadrante inferior esquerdo do abdômen (Thurmon et al., 1996b), aproximadamente um cm caudal e um cm lateral à cicatriz umbilical (Figura 1) e foi registrado o período de latência.
Foram avaliados relaxamento dos pedículos ovarianos, coto uterino e cordão espermático, os quais foram classificados em ótimo, bom e regular (Mastrocinque et al., 2006). Foi registrado o período hábil anestésico, o qual foi considerado desde a perda do reflexo interdigital (estimulado por pinça hemostática), até o retorno do mesmo (Massone, 2008b). Foram consideradas complicações anestésicas alterações de freqüência cardíaca e/ou respiratória em torno de 20% do valor basal, arritmias cardíacas e queda da temperatura em torno de 20% do valor basal (Mastrocinque et al., 2006).
Resultados e discussão
Em todas as etapas do estudo não ocorreram óbitos. Na pré-medicação todos os animais ficaram tranqüilizados, permitindo manipulação sem estresse.
A técnica de administração por via intraperitoneal foi fácil e rápida. Após a introdução do anestésico, os animais levaram, em média 12 minutos para entrar em plano anestésico com perda do reflexo interdigital.
Os resultados obtidos a partir da avaliação dos parâmetros clínicos (T, f, FC) obtidos no pré-operatório, após administração da medicação pré-anestésica, após administração do anestésico e ao longo do período hábil anestésico (de 10 em 10 minutos) estão apresentados nas Figuras 2, 3 e 4 e demonstram queda acentuada após o estabelecimento da anestesia. Devido à redução da temperatura todos os felinos foram mantidos em colchão térmico no período pós-cirúrgico durante aproximadamente 2 horas.
O período hábil anestésico (considerado desde a perda do reflexo interdigital até a recuperação do
mesmo) variou de 50 minutos até 143 minutos, com uma média de 90 minutos. O relaxamento dos
pedículos ovarianos, cotos uterinos e cordão espermático foi considerado ótimo em 15 animais (75%) (n=20) bom em dois gatos (10%) e regular em três animais (15%). Durante o retorno anestésico cinco felinos (25%) apresentaram movimentos de pedalar. Não houve registro de vocalização e não foram observados quaisquer outros efeitos adversos em todas as fases da anestesia.
A dose de tiopental utilizada no presente estudo pode ser considerada alta em comparação com a dose recomendada por via intravenosa quando se utiliza tranqüilizante na pré-anestesia (6-12 mg/kg) (Bednarski, 2002), como foi feito neste estudo. No entanto, a via é diferente e não foram observados efeitos adversos devido à dose utilizada. Os efeitos observados como movimentos de pedalagem estão também presentes quando se administra tiopental por via intravenosa (Bednarski, 2002) e com o uso da quetamina em gatos (Mastrocinque et al., 2006).
Um fator que poderia limitar o uso do tiopental IP é a ocorrência de irritação local devida ao ph alcalino do fármaco. No entanto, em estudo com ratos, o processo inflamatório produzido pela injeção IP de tiopental foi semelhante ao processo inflamatório produzido pela injeção IP de solução fisiológica, sendo considerada uma reação comum quando se administra fármacos por via IP. Além disso, o processo inflamatório foi transitório (Carregaro et al., 2005).
Como se observou em outro protocolo anestésico no qual se utilizou anestésicos gerais injetáveis para realização de gonadectomia em gatos impúberes (Mastrocinque et al., 2006), o relaxamento dos pedículos ovarianos, coto uterino e cordões espermáticos foram considerados satisfatórios e permitiram que as cirurgias fossem realizadas com analgesia adequada.
Saliente-se que a utilização de acepromazina (Bednarski, 2002) e opiáceos (Bednarski, 2002;
Mastrocinque et al., 2006) como o tramadol utilizados neste estudo, melhoram a analgesia e, consequentemente, a qualidade da técnica anestésica (Mastrocinque et al., 2006).
O período hábil anestésico permitiu a realização das cirurgias sem necessidade de mudança de protocolo ou complementação de anestésico como ocorreu em outro protocolo para anestesiar felinos jovens submetidos à castração (Mastrocinque et al., 2006).
Conclusão
O protocolo anestésico proposto é adequado para anestesiar felinos jovens, podendo ser usado em
mutirões de castração pela facilidade de administração e segurança.
Na minha opinião o trabalho científico é muito interessante com muitas vantagens, porém, o que achei negativo foi ter que manter TODOS os felinos aquecidos em colchão térmico por 2 horas no pós cirúrgico. Acho que numa campanha de esterilização com mais de 20 felinos, iria complicar o ritmo de trabalho.
Thiago V. Silva, Ana M. Quessada*, Marcelo C. Rodrigues, Esther M.C. Silva, Rebeca M.O. Mendes, André B. Sousa
Hospital Veterinário da Universidade Federal do Piauí, Centro de Ciências Agrárias, Campus Universitário, 64.049-550, Teresina, PI, Brasil.
*Correspondência: quessadavet@gmail.com Tel: + 55 86 9983-9409; Fax: + 55 86 3215-5537
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