segunda-feira, 26 de março de 2012

TÉTANO PÓS-CIRÚRGICO EM CANINO.

JP Santos-A(*), CRA Nascimento-B, MBQ Rolim-C, NI Camargo-C, EOC Neto-B,
APM Tenório-A, MCOC Coelho-A


A-Área de Clínica do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Av. Dom Manoel de Medeiros, s/n, Dois Irmãos, 52171-900 Recife-PE, Brasil.


B-Médico Veterinário Autônomo


C-Curso de Graduação em Medicina Veterinária da UFRPE


Medicina Veterinária, Recife, v.1, n.1, p.66-69, jan-jun, 2007 ISSN 1809-4678



O tétano é uma doença tóxico-infecciosa que acomete os animais domésticos e o homem através de toxinas específicas produzidas pelo Clostridium tetani, microrganismo de distribuição mundial, gram-positivo, de origem telúrica, podendo ser observado sob a forma vegetativa ou esporulada, dependendo das condições de tensão de oxigênio (RIBEIRO et al., 2000; TRINDADE e TRINDADE, 2006).



Os sinais clínicos na infecção leve ou inicial são andar rígido, orelhas eretas, cauda elevada e contração dos músculos faciais e na forma grave caracteriza-se por decúbito com rigidez extensora dos quatros membros, opistótono, convulsões e até morte por insuficiência respiratória (NELSON e COUTO, 1992), que está relacionada à paralisia dos músculos respiratórios e à lesão primária do centro respiratório pelas neurotoxinas (TRINDADE e TRINDADE, 2006). 



O diagnóstico é baseado no histórico do animal, estando sempre associado com descrição de feridas recentes ou procedimentos cirúrgicos realizados de maneira imprópria e nos sinais clínicos característicos da doença (COLEMAN, 1998; COSTA, 2002) por não existirem exames complementares que garantam um diagnóstico definitivo, devido ao fato do isolamento do Clostridium tetani de feridas ser difícil (NELSON e COUTO, 1992; TRINDADE e
TRINDADE, 2006).



O tratamento consiste no repouso em ambiente escuro e silencioso, debridamento imediato da ferida quando possível, antibioticoterapia, neutralização da toxina e terapia intensiva de suporte (NELSON e COUTO, 1992). A neutralização da toxina pode ser feita com aplicação de
imunoglobulina do tétano humano intramuscular em múltiplos locais ou com o uso da antitoxina tetânica eqüina intravenosa (TILLEY e SMITH, 2003).


RELATO DE CASO: 

Um canino com dois anos de idade, sem raça definida, pesando oito quilogramas, foi atendido em uma clínica veterinária particular da Região Metropolitana de Recife, com dispnéia, sialorréia e decúbito lateral. A proprietária relatou que a fêmea sofrera cirurgia de OSH dez dias antes e que há dois dias ela locomovia-se com dificuldade, semelhante a um robô; apresentava tremores intermitentes, dificuldade em abrir a boca, beber água e ingerir alimentos, além de não defecar e não urinar. Revelou ainda que suas orelhas ficaram eretas e que apresentara, no dia anterior, um quadro de intensa sialorréia e tremores que levaram a suspeita clínica de um provável envenenamento por rodenticida.



Ao exame clínico verificou-se dispnéia, sialorréia, espasticidade da musculatura dos membros anteriores, do pescoço e do abdômen, trismo mandibular, temperatura de 40,2° C, mucosas levemente congestas, acuidade visual comprometida, reflexo pupilar ausente, reflexos palpebral e corneal presentes, tetania muscular, testa pregueada, orelhas eretas, taquicardia e
excitabilidade, quando estimulada. A ferida cirúrgica estava cicatrizada.



Instituiu-se imediatamente o tratamento suporte com fluidoterapia utilizando solução fisiológica suplementada com complexo vitamínico e glicose 50%, aminofilina e diazepam nas doses,
respectivamente, de 4 mg/kg e de 1 mg/kg, diminuindo-se a luminosidade do consultório, mas mantendo-se o local refrigerado e silencioso. Cerca de uma hora depois, o animal apresentou nova crise de excitação, espasticidade e tetania muscular. Aplicou-se fenobarbital intramuscular na dose de 4 mg/kg e após meia hora, por permanecer ainda agitado, optou-se por nova aplicação de diazepam na mesma dose anterior e coleta de sangue para hemograma.



Com a associação do histórico, evolução do quadro e sinais clínicos apresentados suspeitou-se de tétano e instituiu-se novo tratamento com imunoglobulina antitetânica humana (Tetanogamma® - CENTEON Farmacêutica Ltda, São Paulo – SP, Brasil) na dose de 300 UI/kg, aplicada por via intramuscular em sítios diferenciados associada à Penicilina G Procaína, na dose de 20000 UI/kg. O paciente foi mantido no internamento para tratamento suporte com reposição hidro-eletrolítica e avaliação da evolução clínica. Durante os quatros primeiros dias, associou-se, ao protocolo medicamentoso, diazepam intravenoso na dose 0,5 mg/kg a cada doze horas.



O animal teve alta após oito dias de tratamento, com a prescrição de amoxicilina na dose de 30 mg /kg, por via oral, a cada 12 horas, por sete dias. A resolução dos sinais clínicos ocorreu transcorridos 15 dias da primeira consulta.



Canal et al. (2006) citam que a prevalência do tétano em caninos e felinos é considerada rara devido ambas as espécies serem relativamente resistente à infecção. Os sinais aqui observados corroboram os relatos de Martins et al., (2002) e Trindade e Trindade (2006), ao mencionarem que o tétano em gatos e cães pode manifestar-se na forma de tetania espástica localizada ou de tetania espástica generalizada. A ocorrência em caninos é justificada por Tilley e Smith (2003), quando afirmam que todos os animais homeotérmicos são susceptíveis á infecção.



A recuperação do animal em quinze dias concorda com a descrição de Tilley e Smith (2003) ao afirmarem que a maioria dos animais recupera-se em uma semana, mas que alguns apresentam um curso de três a quatro semanas.



quarta-feira, 14 de março de 2012

TETANIA PUERPERAL

Leitores, aproveito a atual postagem para informar que o assunto anterior Carcinoma Inflamatório Mamário Canino possui ilustrações da patologia. Colaboração Dra Mariana Carvalho, CRMV/DF/1646. 






UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA 

Faculdade de Medicina Veterinária 

URGÊNCIAS REPRODUTIVAS NA CADELA 

TERESA ISABEL RODRIGUES DA COSTA 

         DISSERTAÇÃO DE MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA VETERINÁRIA

2010



A tetania puerperal ou hipocalcemia pós-parto é uma condição que se desenvolve no periparto, como resultado da diminuição da concentração plasmática de cálcio devido às exigências da mineralização do esqueleto fetal e da lactação (Feldman & Nelson, 2004; Jutkowitz, 2005).


Esta condição ocorre mais frequentemente em cadelas de raças pequenas, primíparas e em cadelas com grandes ninhadas. Desenvolve-se tipicamente 2 a 4 semanas após o parto, embora possa surgir numa fase avançada da gestação (Jutkowitz, 2005; Linde-Forsberg, 2005; Wiebe, 2009).


Outras causas que podem originar hipocalcemia incluem uma dieta inadequada e a atrofia da  glândula paratireóide, resultante de uma excessiva suplementação de cálcio durante a gestação (Feldman & Nelson, 2004; Jutkowitz, 2005; Kustritz, 2010; Smith-Carr, 2005). 


Os sinais clínicos mais comumente observados incluem uma postura rígida, tremores, contrações musculares tônico-clonicas, convulsões, taquicardia, taquipnéia, hipertermia (Jutkowitz, 2005), poliúria, polidipsia e vômitos. Podem também verificar-se alterações comportamentais, agressividade, hipersensibilidade e desorientação (Wiebe, 2009).  


O diagnóstico de tetania puerperal é feito conjugando as informações da anamnese e exame físico com baixos níveis plasmáticos de cálcio ionizado ou total. O cálcio ionizado representa a quantidade ativa de cálcio  presente no organismo, estando envolvido nas contrações musculares e nas funções neurológica e cardiovascular (Jutkowitz, 2005). Representa, nas cadelas, 55% do cálcio total, sendo um indicador mais sensível da quantidade de cálcio extracelular que o cálcio total. Em cadelas com hipocalcemia, os níveis séricos de cálcio ionizado tendem a descer para valores inferiores a 0,8 mmol/L (1,2 – 1,4mmol/L) (Wiebe, 2009).


Contudo, num estudo de Aroch, Srebro e Shpigel (1999), a concentração plasmática de cálcio total apresentou-se diminuída em todas as cadelas com hipocalcemia, sugerindo que esse parâmetro pode ser suficiente para o diagnóstico desta condição, na ausência dos valores de cálcio ionizado. Segundo Wiebe (2009), valores séricos de cálcio total inferiores a 6,5 mg/dL (9,7 – 11,5 mg/dL) confirmam o diagnóstico. Simultaneamente, também se pode verificar hipomagnesiemia e hipercalemia (Kustritz, 2010). 


Nas gatas, a ocorrência de hipocalcemia é menos frequente, podendo verificar-se em fêmeas lactantes que amamentam ninhadas grandes ou no final da gestação, de 3 a 17 dias antes do parto. Os sinais clínicos mais frequentemente apresentados incluem letargia aguda, anorexia, fasciculações musculares, desidratação, fraqueza, palidez, hipotermia, bradicardia, dispnéia e/ou taquipnéia. Tal como nas cadelas, o diagnóstico é feito conjugando a história e sinais clínicos com níveis plasmáticos de cálcio total inferiores a 6,0 mg/dL (9 – 10,9 mg/dL) (Wiebe, 2009).

TRATAMENTO: 

O primeiro passo consiste na administração de fluidos por via intravenosa, com vista à correção da hipertermia, desidratação e taquicardia (Jutkowitz, 2005). Se a fêmea apresentar convulsões, deve ser feita a administração de diazepam (1 a 5 mg IV). Em casos de hipocalcemia aguda, deve ser administrado gluconato de cálcio a 10% na dose de 0,22 a 0,44 mL/Kg IV ou bolus de 5 a 10 mL, de forma lenta, durante 10 a 30 minutos. Esta administração deve levar a uma melhora dos sinais neurológicos em cerca de 15 minutos (Kustritz, 2010; Wiebe, 2009).


Deve proceder-se à administração intravenosa de uma solução de dextrose a 10%, uma vez que a hipoglicemia pode ocorrer simultaneamente à hipocalcemia, apresentando-se estas duas entidades de forma semelhante. 

Se a administração de glicose não levar à melhoria dos sinais neurológicos, deve-se avaliar o estado ácido-base da cadela, uma vez que a hiperventilação derivada da tetania pode conduzir a alcalose respiratória. Isso resulta numa maior percentagem de cálcio ligado às proteínas plasmáticas e, consequentemente, numa redução do cálcio livre e biologicamente ativo, o que contribui para o agravamento da situação (Feldman & Nelson, 2004).


A temperatura corporal deve ser cuidadosamente monitorada em animais com tremores, devendo instituir-se medidas de esfriamento ativas (administração de fluidos frios, colocação de uma toalha molhada, ventilação...)  em pacientes com hipertermia grave. A temperatura corporal decresce rapidamente quando os tremores são controlados, pelo que o monitoramento da temperatura não deve ser  descuidado e as medidas de esfriamento devem ser descontinuadas quando esta desce abaixo dos 39 ºC (Feldman & Nelson, 2004; Jutkowitz, 2005). O manejo do edema cerebral pode ser feito com diuréticos osmóticos e de alça (manitol e furosemida, respectivamente) (Kline, 2005). A administração de corticosteróides está contra-indicada, uma vez que esses fármacos diminuem a absorção intestinal de cálcio e aumentam a sua excreção renal (Biddle & Macintire, 2000; Wiebe, 2009).  


Após o controle das situações que podem por em risco a vida do animal, o gluconato de cálcio pode ser adicionado à fluidoterapia e administrado em infusão lenta (0,5 a 1,5 mL/Kg/h nas cadelas e 2,5 mL/Kg a cada 6 a 8 horas nas gatas) (Wiebe, 2009).


É recomendado que os filhotes sejam privados da amamenação durante 24 horas, sendo alimentados artificialmente para avaliar a resposta da cadela durante este período. Outra alternativa consiste em alternar a amamentação dos cachorros com o aleitamento artificial. Em casos de maior gravidade, pode mesmo ser necessário o desmame precoce completo dos recém-nascidos (Feldman & Nelson, 2004; Jutkowitz, 2005; Smith-Carr, 2005; Wiebe, 2009). A estas medidas, pode ser associada a administração de cabergolina (5 µg/Kg SID) durante 5 dias, para supressão da lactação (Wiebe, 2009).