quarta-feira, 29 de junho de 2011

FÁRMACOS UTILIZADOS NO TRATAMENTO DAS AFECÇÕES NEUROLÓGICAS DE CÃES E GATOS.

Interessante este artigo, já trabalhei com a morfina e não tive a oportunidade de ver o prurido como efeito adverso. Se a morfina faz a liberação de histamina, então podemos chegar a conclusão de que ela é contra indicada nos casos de mastocitomas (mastócitos degranulam histamina) que estejam comprimindo terminações nervosas e causando o quadro de dor???
Nos cães e gatos com afecções do sistema nervoso o tratamento pode ser dividido em médico e/ou cirúrgico. O tratamento médico é baseado na administração de fármacos que atuem diretamente no agente etiológico e proporcionem a cura da doença (ex.: antibióticos), ajam na diminuição da progressão da doença (ex.: neoplasias) ou é baseado no tratamento de suporte (ex.: cinomose).
Quanto ao fármaco adequado a ser utilizado, necessita-se saber a dose a ser empregada, o intervalo entre doses e a duração do tratamento, sempre relacionando a etiologia da afecção. Deve-se também ter conhecimento das particularidades existentes no sistema nervoso, como a barreira hematoencefálica. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é relatar os diferentes fármacos utilizados atualmente na terapêutica das afecções neurológicas de cães e gatos, assim como sua indicação, dosagens, intervalo entre doses e duração do tratamento médico.
Analgésicos opióides:  
Os analgésicos opióides são os fármacos mais utilizados e mais efetivos no controle da dor em animais. Eles funcionam ativando o sistema antinociceptivo, inibindo a projeção da dor (BAGLEY, 2005).
A morfina em cães e em gatos (baixas doses) é utilizada no tratamento da dor aguda e profunda e na medicação pré e pós-operatória. O efeito adverso da morfina em gatos é a hiperexcitabilidade que pode ser minimizada com o uso de tranqüilizantes ou baixas doses. Já os efeitos adversos relacionados aos cães e gatos são: euforia, hipotensão, prurido (libera histamina), depressão respiratória, edema, hemorragia cerebral, dificuldade de urinar, e redução da formação de urina. A dose recomendada para cães é 0,5-1 mg/kg, via intramuscular (IM) ou subcutânea (SC); 0,05-0,4 mg/kg, q1-4h, IV; ou 0,2-1 mg/kg, q2-6h, IM ou SC; 0,3-3 mg/kg q4-8h, por via oral (VO) e em gatos 0,05- 0,2 mg/kg, IM, SC (com cautela) (ANDRADE, 2002). Administrada pela via epidural apresenta a vantagem de que a ação analgésica terá duração de, aproximadamente, 24 horas (INTELIZANO, et al. 2002)
O fentanil possui ação mais rápida e potente (75-125 vezes) do que a morfina, porém é de curta duração (30-45 minutos) (CARROLL, 2005).
O uso do adesivo de fentanil propicia excelente analgesia pós-operatória para pacientes que sofreram procedimentos neurocirúrgicos da coluna vertebral. Tem como efeitos adversos em cães à promoção de respiração ofegante, defecação e flatulências, além de através de estímulos sonoros poderem provocar respostas motoras (ANDRADE, 2002).
No caso de infusão em velocidade constante uma dose inicial de 2μg/kg, IV em cães e 1-2 μg/kg, em gatos seguida por infusão (1-6 μg/kg/h em cães e 1-4 μg/kg/h, sendo que a duração da analgesia corresponde à duração da infusão mais 30 minutos (CARROLL, 2005).
A codeína vem sendo utilizada no controle da dor para animais com transtornos neurológicos sendo segura e efetiva em dor severa (1 mg/kg, VO, q6h) (BAGLEY, 2005). Em cães saudáveis Carroll (2005), recomenda 1-2 mg/kg de codeína, VO, q8h, associado a acetaminofen (paracetamol), porém isso não deve ser utilizado em cães com hepatopatias ou propensos a anemia com corpúsculo de Heinz e também é estritamente contra-indicada essa associação em gatos. Pode-se administrar codeína sem acetaminofen (1-4 mg/kg VO, q1-6h), conforme necessário.
O butorfanol tem a vantagem de oferecer analgesia com depressão ventilatória mínima e doses subseqüentes não produzem depressão adicional. Em cães e gatos geralmente é administrado em casos de dor leve a moderada, a dose recomendada é 0,4 –1 mg/kg, VO, q8h por 2-3 dias (CARROLL, 2005).
Buprenorfina é 30 vezes mais potente do que a morfina, sendo utilizado como potente analgésico, sendo a dose recomendada para cães 0,05-0,02 mg/kg, q4-8h, IM ou IV (ANDRADE, 2002). Segundo Carroll (2005), sua ação tem início em aproximadamente 30 minutos com duração de 4-8h.
Foi constatado experimentalmente que a utilização da naloxona também apresenta outros efeitos potencialmente importantes em neurologia. Sendo demonstrado que em altas doses atuará melhorando o fluxo sanguíneo após o trauma medular e aumentando a recuperação da função neurológica, também podendo ser administrados logo após o trauma com finalidade de proteger o paciente, durante o transporte (BRAUND, 2003).
Antibióticos:
O sistema nervoso central (SNC) deve ser considerado como compartimento à parte em nosso organismo, isolado da circulação sistêmica, cujo acesso é altamente restrito, já que é completamente envolvido por uma camada celular firmemente conectada entre si por junções oclusivas. Essa camada age como uma verdadeira membrana lipídica, formando duas barreiras: a barreira hematoencefálica (BHE) e a barreira hematoliquórica (BHL) responsáveis pela manutenção da homeostasia do SNC (VRIES et al., 1997).
O transporte dos antibióticos através das barreiras que cercam o SNC depende de vários fatores, dos quais se destacam características dos fármacos como: lipossolubilidade, peso molecular, ligação a proteínas plasmáticas, capacidade de ionização e carga elétrica (LIN; SÁ, 2002).
É importante ressaltar que, mesmo dentro do espaço liquórico, não há uma distribuição homogênea. Por exemplo, após a administração endovenosa de qualquer antibiótico capaz de penetrar no SNC, podemos encontrar concentrações máximas no LCE da região lombar, concentrações intermediárias na cisterna cerebelo medular, enquanto as concentrações ventriculares são provavelmente menores daquelas atingidas no LCE (NAU; SORGEL; PRANGE, 1998).
Os antibióticos podem ser administrados aos animais sob suspeita de meningite bacteriana antes da obtenção dos resultados da cultura e dos testes de sensibilidade (FENNER, 1997). Alguns autores sugerem que deve ser administrada uma única injeção intravenosa de corticosteróides, antes da antibioticoterapia nos casos de meningite bacteriana (FENNER, 1997; LeCOUTEUR; CHILD, 1997).
Os antibióticos que atravessam a barreira hematoencefálica com ótima penetração são o trimetoprim, o metronidazol, o cloranfenicol e as sulfonamidas; com intermediária penetração são as penicilinas, as ampicilinas, a oxacilina, a carbenecilina, o ceftriaxone, o moxalactam e as tetraciclinas, e os com baixa penetração são as cefalosporinas de primeira geração, os aminoglicosídeos e a clindamicina (CHRISMAN, 1991). Várias cefalosporinas de terceira geração atingem concentrações efetivas no SNC, sendo consideradas os agentes mais adequados para tratamento da meningite por bactérias gram-positivas (LeCOUTEUR; CHILD, 1997).
Os antibióticos de eleição para as afecções neurológicas bacterianas são: ampicilina, cefalosporinas de 3° geração, metronidazol, cloranfenicol e sulfa com trimetoprim (DEWEY, 2003). Em geral, as tetraciclinas, agentes bacteriostáticos de amplo espectro, atingem apenas concentrações efetivas no SNC quando as meninges estão inflamadas. Entretanto as tetraciclinas mais modernas (doxiciclina e minociclina) penetram no SNC melhor do que outras tetraciclinas, tendo melhor atividade contra microorganismos anaeróbios e alguns aeróbios. A minociclina apresenta também efeitos neuroprotetores anti-apoptóticos para o SNC descobertos recentemente (STIRLING; KOOCHESFAAHANI; TETZLAFF, 2005).
Diversas afecções riquetsiais como febre maculosa das montanhas rochosas e erliquiose, podem produzir meningoencefalite em cães e que o tratamento com tetraciclinas parece ser efetivo, em termos da resolução dos sinais sistêmicos e neurológicos (FENNER, 1997; DEWEY, 2003).
O cloranfenicol atinge concentrações mais elevadas no LCE do que a maioria dos outros antibióticos; entretanto, este agente é bacteriostático, e foi demonstrado que muitos Staphylococcus são resistentes. O cloranfenicol pode ser administrado na dose de 40 mg/kg, IV, q6h, ou 50 mg/kg, VO, q8h em cães e 1-2 mg/kg, q12h em gatos, sendo seus efeitos adversos as gastroenterites em cães e gatos e a depressão da medula óssea em gatos (LEUCOTER; CHILD, 1997).
O tratamento da discoespondilite em animais sem deficiência neurológica, ou com deficiência neurológica leve, consiste no uso de antibiótico que seja efetivo contra o microorganismo, determinado por hemocultura, urocultura ou punção aspirativa. Os antibióticos que geralmente são efetivos para esta finalidade são as cefalosporinas, ou as penicilinas resistentes a beta-lactamase, como a oxacilina e a cloxacilina. A combinação de trimetoprim com sulfonamidas, ou cloranfenicol, são meios menos efetivos, mas menos dispendiosos e podem ser efetivos em certos casos (LEUCOTER; CHILD, 1997).
Se não houver resultados desses exames pode-se usar combinações de trimetoprim com sulfadiazina (15-30 mg/kg, q12h) ou cefalexina (30 mg/kg, q8h). Outros antibióticos que podem ser considerados em casos específicos são a enrofloxacina (5 mg/kg, VO, q12h) e ciprofloxacina (5,5-11 mg/kg, VO, q12h), devendo-se continuar a antibioticoterapia por 6-8 semanas (CHRISMAN et al., 2005).
Nos casos de toxoplasmose pode-se usar a clindamicina (10 mg/kg, VO, q8h) ou sulfa associada ao trimetoprim (15 mg/kg, VO, q12h) com duração de 2-4 semanas, porém a associação de sulfonamidas (30 mg/kg, VO, q12h) e a pirimetamina (0,25-0,5 mg/kg, VO, q12h) durante 2 semanas é mais efetiva do que o trimetoprim (DEWEY, 2003). Nos casos de polirradiculoneurite ou miosite causadas por infecções de Toxoplasma gondii e Neospora caninum, recomenda-se o tratamento precoce com sulfadiazina associado à trimetoprim na dose de 15-30 mg/kg, VO, q12h ou ormetoprim associado à sulfadiometoxina na dose de 15 mg/kg VO, q12h e clindamicina 5-0 mg/kg, VO, q12h. Também pode ser utilizada a pirimetamina 0,5-1 mg/kg, q24h por 3 dias e depois 0,25 mg/kg q24h, por mais 14 dias em cães e gatos, porém tem sido relatado supressão de medula óssea com o uso desse fármaco em pequenos animais (CHRISMAN et al., 2005).
O tratamento descrito para neosporose consiste na combinação de trimetoprim, pirimetamina, sulfonamidas e clindamicina. Contudo o grau de sucesso desses tratamentos é normalmente baixo, embora existam relatos de resolução completa dos sinais de neosporose em cão adulto com administração combinada de 1 mg/kg, q24h de pirimetamina e 20 mg/kg de sulfadoxina durante 30 dias (PAIXÃO; SANTOS, 2004). A neosporose neonatal canina deve ser tratada com clindamicina (12,5-18,5 mg/kg, VO, q12h) ou com a associação de sulfadiazina (30 mg/kg) combinada com pirimetamina (0,25-0,5 mg/kg q24h ou q12h) por duas a quatro semanas, esta última sendo mais efetiva (GENNARI; SOUZA, 2002).
Na próxima semana postarei sobre o uso dos anticonvulsivantes e barbitúricos.
Semina: Ciências Agrárias, Londrina, v. 31, n. 3, p. 745-766, jul./set. 2010
Isabelle Valente Neves1; Eduardo Alberto Tudury2; Ronaldo Casimiro da Costa3
1 Médica Veterinária Autônoma. E-mail: isabellevalente@hotmail.com
2 Professor Adjunto, Departamento de Medicina Veterinária, Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. E-mail: tudury@nelore.npde.ufrpe.br
3 Professor de Neurologia e Neurocirurgia da The Ohio State University. ,E-mail: ronaldo.dacosta@cvm.osu.edu

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Hiperadrenocorticismo associado ao linfossarcoma hepático em cão - Relato de caso.

Introdução:

O hiperadrenocorticismo (HAC) é uma desordem endócrina que frequentemente acomete os cães estando associado ao excesso de glicocorticoides sistêmicos (FELDMAN; NELSON, 2004). A origem do distúrbio pode ser adreno-dependente (primária ou tumor adrenocortical funcional), pituitário-dependente (secundária) ou iatrogênico (administração prolongada e/ou excessiva de corticoides exógenos), sendo a forma pituitária-dependente a mais comum, afetando cães geralmente com menos de 20 kg e sendo observada em até 85% dos casos de HAC diagnosticados (ZERBE, 1999). Cães com HAC em geral são de meia idade a idosos e as raças mais afetadas são Poodle, Daschund, Yorkshire Terrier, Pastor Alemão, Beagle, Labrador e Boxer (PETERSON, 2007).

Independente da origem do HAC, os sinais clínicos mais frequentemente observados incluem poliúria, polidipsia, polifagia, aumento do volume abdominal, fraqueza muscular, obesidade, hepatomegalia, apatia, alopecia, respiração ofegante, letargia, atrofia testicular nos machos e anestro persistente nas fêmeas (FELDMAN; NELSON, 2004; PETERSON, 2007). Além da observação do histórico e sinais clínicos, exames complementares como hemograma, bioquímica sérica e urinálise devem ser solicitados para auxiliar no diagnóstico. São esperadas as seguintes alterações: leucograma de estresse, aumento na atividade sérica das enzimas alanina aminotransferase (ALT) e fosfatase alcalina (FA), hiperlipidemia, hiperglicemia moderada e baixa densidade urinária (GRECO, 2004). O diagnóstico definitivo obtém-se através do teste de supressão com baixa dose de dexametasona (FELDMAN et al., 1996; ZERBE, 2000; PETERSON, 2007).

No Brasil, o fármaco de escolha para o tratamento do HAC pituitário-dependente é o mitotano, que causa necrose progressiva das zonas fasciculada e reticular do córtex da adrenal, diminuindo o nível sérico de cortisol sem afetar a zona glomerulosa (FELDMAN et al., 1992; DeCLUE et al., 2004). Recentemente, outros países estão adotando o trilostano por causar menos efeitos colaterais, a terapêutica ser mais simples e por aumentar a taxa de sobrevida do animal (BRADDOCK et al., 2003; CLEMENTE et al., 2007; REINE, 2007). O monitoramento do paciente com HAC deve ser feito com base na normalização dos sinais clínicos e através da realização periódica de testes de estimulação com ACTH (hormônio adrenocorticotrófico) para avaliar a reserva funcional da glândula, e desta forma auxiliar na segurança do tratamento, com objetivo de evitar crises de hipocortisolismo (ZERBE, 2000; HILL et al., 2004; FELDMAN; NELSON, 2004).

O linfoma (linfossarcoma) é definido como uma neoplasia linfóide que afeta primariamente os linfonodos e outros órgãos parenquimatosos, sendo um dos distúrbios proliferativos mais comuns na clínica de pequenos animais (VAIL; OGILVIE, 2003). Diversos protocolos quimioterápicos são descritos para tratamento, pois o linfossarcoma é a malignidade mais quimiorresponsiva em medicina veterinária. A prednisona, por seus efeitos imunomoduladores, é frequentemente empregada para aumentar a resposta ao tratamento (WITHROW; MacEWEN, 2007). A ocorrência de uma doença linfoproliferativa como o linfoma em um paciente com hipercortisolismo poderia ser pouco provável em decorrência dos efeitos linfolíticos dos corticoides (FELDMAN; NELSON, 2004). Algumas vezes é preconizado o tratamento exclusivamente com prednisona em pacientes cujos proprietários não aceitam protocolos quimioterápicos mais agressivos, promovendo uma resposta de curta duração (VAIL; OGILVIE, 2003).

Relato de caso:

Uma cadela da raça Poodle de 10 anos de idade, pesando 8,3 kg e apresentando histórico de HAC de origem pituitária há aproximadamente um ano, estava sendo monitorada através de testes periódicos de estimulação com ACTH mantendo-se com o cortisol dentro da faixa de controle, entre 10 – 50 ng/mL (a meta do tratamento da síndrome de Cushing é manter o cortisol pós-ACTH entre 10 e 50ng/mL), por administração de mitotano em fase de manutenção (50 mg/kg/semana dividido em dois dias). Durante este período, a paciente apresentou um quadro isolado de hipoadrenocorticismo iatrogênico, facilmente revertido pela administração de prednisona e suspensão temporária do mitotano.

Numa determinada revisão periódica da paciente, os proprietários relataram sinais clínicos de emese, anorexia, cólicas e fadiga. Ao exame clínico, a paciente apresentava as mucosas, pele da pina e esclera levemente ictéricas, normotermia (38,4°C), boa hidratação, tempo de preenchimento capilar menor que dois segundos, freqüência cardíaca de 138 bpm, algia à palpação na região abdominal cranial e uma massa palpável próximo da região esternal, sugerindo alteração no fígado ou baço. Também foi detectada uveíte e pústulas pelo corpo, além de ter sido levantada a possibilidade do cão ter entrado em contato com ratos.

Solicitou-se hemograma, exames bioquímicos com determinação da atividade sérica da ALT e FA e urinálise com pesquisa de espiroquetas em campo escuro. Foi realizada sorologia para Leptospira spp, bem como reação em cadeia da polimerase (PCR) para a detecção de DNA de leptospiras patogênicas em amostra de urina. Um teste de estimulação por ACTH foi realizado através da administração de tetracoside (ACTH sintético) na dose de 5 μg/kg por via IV com mensuração de cortisol sérico após uma hora da aplicação da medicação.

A pesquisa de espiroquetas em campo escuro obteve resultado negativo, assim como a PCR, apesar do título de 1:100 para Leptospira icterohaemorrhagiae na sorologia. O resultado do teste de estimulação com ACTH foi de 100,8 ng/mL, afastando a possibilidade de hipoadrenocorticismo iatrogênico.

Os resultados dos exames complementares demonstraram plasma discretamente ictérico no hemograma. O perfil bioquímico apontou hipercolesterolemia, hipercalemia, um leve aumento das globulinas e aumento da atividade sérica da ALT e FA, estas duas últimas sugerindo lesão hepática. Na urinálise foram detectadas bilirrubinúria, proteinúria e densidade urinária baixa.

Foi realizada uma ecografia para investigação da origem da massa intra-abdominal. Observou-se hepatomegalia com parênquima heterogêneo, manchas hiperecogênicas difusas e de contorno pouco definido, sendo sugerida uma biópsia hepática. Os proprietários não aceitaram inicialmente a realização de BAAF (biópsia aspirativa com agulha fina), sendo acrescentados à terapêutica inicial, ácido ursodesoxicólico, doxiciclina e silimarina.

Após cerca de 30 dias, observou-se na ecografia uma redução na definição das áreas hiperecogênicas que passaram a apresentar-se de forma mais difusa pelo parênquima hepático, sendo então autorizada a realização do exame citológico do fígado (biópsia), o qual foi realizado a partir de um aspirado com agulha fina guiado por ultra-som. O resultado evidenciou um material constituído de linfoblastos alterados e em grande quantidade, compatível com linfossarcoma hepático. Após o diagnóstico de linfossarcoma, a paciente sobreviveu por mais cinco dias e veio a óbito. A necropsia da paciente não foi autorizada pelos proprietários.

Discussão:

Através do histórico e dos sinais clínicos apresentados pela paciente, inicialmente suspeitou-se de hipoadrenocorticismo iatrogênico causado pela administração contínua de mitotano (FELDMAN; NELSON, 2004). Essa hipótese foi descartada baseada no teste de estimulação de ACTH e no achado clínico de plasma ictérico, este não é esperado no hipocortisolismo.

Outra suspeita foi de hepatite causada por leptospirose, devido ao relato de possível contato com ratos e a sintomatologia desta enfermidade ser a mesma descrita na anamnese (NELSON; COUTO, 2006). O resultado da sorologia com titulação mínima indicava que a paciente poderia ter entrado em contato com o sorovar em algum momento da vida e que mantinha uma taxa baixa de anticorpos ou indicava um título vacinal. A PCR de amostra urinária foi negativa, indicando que não estava ocorrendo eliminação ambiental de leptospira pela urina. A literatura não suporta a leptospirose como uma condição indutora de linfossarcoma, não sendo provável qualquer relação entre estas afecções no presente relato.

Até o momento tornava-se evidente uma possível hepatopatia. Os testes bioquímicos apontaram a atividade sérica da ALT aumentada, caracterizando lesão dos hepatócitos (LASSEN, 2004). A atividade da FA também esteve aumentada em decorrência da colestase e do cortisol acima da faixa considerada de controle para cães com Cushing, demonstrando a existência de hipercortisolismo (LASSEN, 2004; FELDMAN; NELSON, 2004).

Apesar da faixa de referência de cortisol para cães saudáveis estar entre 60 e 170 ng/mL, o objetivo do tratamento da síndrome de Cushing é manter o paciente com cortisol pós-ACTH entre 10 e 50 ng/mL, faixa onde considera-se o paciente com um controle excelente e observa-se a total remissão dos sinais clínicos e alterações laboratoriais. O valor de cortisol da paciente em 100,8 ng/mL configura descontrole da doença, mesmo estando dentro da faixa de referência para cães normais, e indicaria a necessidade de retomada do tratamento com mitotano em fase de indução (25 mg/kg BID) caso a paciente não estivesse inapetente e com episódios de emese (FELDMAN; NELSON, 2004). Valores acima de 220 ng/mL são compatíveis com o diagnóstico de hiperadrenocorticismo (ZERBE, 2000).

De acordo com González & Silva (2006), a hipercolesterolemia na presença de icterícia, poderia ser associada à colestase, uma vez que a obstrução dos canalículos biliares impede a exportação da bile e, consequentemente, do colesterol. Contudo, hipercolesterolemia é um achado comum no HAC não compensado (FELDMAN; NELSON, 2004). A albumina e ureia com níveis abaixo do normal podem ser explicadas pela inapetência crônica, mas principalmente por insuficiência hepática, já que são sintetizadas no fígado. O nível da glicose apresentado justifica-se pelos mesmos motivos acima, pois sua manutenção é baseada na gliconeogênese hepática (LASSEN, 2004).

Segundo Fighera et al., (2002) e Morris & Dobson (2007), a hipercalemia explica-se pela ocorrência de síndrome paraneoplásica característica de linfossarcoma. Na urinálise, a detecção de bilirrubinúria grave corrobora com o diagnóstico de alteração hepática, descartando a hipótese de hemólise excessiva devido aos níveis normais do eritrograma (LASSEN, 2004). Para Shaw & Ihle (1999), a densidade urinária diminuída ocorre pelo excesso de cortisol, causando a inibição da secreção de vasopressina (ADH). A isostenúria observada na paciente poderia ser decorrente do próprio linfossarcoma, uma vez que a presença de isostenúria é um indicativo da existência de poliúria/polidipsia (WATSON, 2005). Cardoso et al. (2004), relataram a poliúria/polidipsia como um sinal clínico do linfoma canino. Apesar disso, na opinião dos proprietários a ingestão de água estava sob controle em valores inferiores a 100 mL/kg/dia. A proteinúria pode ser explicada por uma glomeruloesclerose, patologia que causa fibrose nos glomérulos e é decorrente da hipertensão sanguínea comumente observada em cães com HAC (HURLEY; VADEN, 1998).

A partir do resultado da biópsia do fígado, com linfoblastos alterados e em excessiva quantidade ficou evidente tratar-se de linfossarcoma hepático (MORRIS; DOBSON, 2007). O linfossarcoma é uma neoplasia de caráter maligno e evolução rápida, frequentemente relatado em cães e que se origina em órgãos linfoides sólidos como linfonodos, baço ou fígado (FIGHERA et al., 2002). É a neoplasia hematopoiética mais comumente relatada em cães, totalizando aproximadamente 90% dos casos de neoplasias hematopoiéticas (MOULTON; HARVEY, 1990) e 5 a 10% de todas as neoplasias de cães (CARDOSO et al., 2004). O histórico e os achados físicos dependem da localização anatômica e dos órgãos acometidos (FIGHERA et al., 2002; CARDOSO et al., 2004). Sinais como emese, inapetência e perda de peso estiveram presentes nesta paciente e foram identificados em vários cães no estudo de Cardoso et al. (2004). Sinais menos comumente associados ao linfossarcoma como icterícia e hepatomegalia estiveram presentes nesta paciente.

A existência de hipercortisolismo concomitante ao linfossarcoma pode ter sido a razão pela qual algumas anormalidades comumente associadas ao linfossarcoma não foram observadas, como por exemplo, linfadenomegalia/linfadenopatia, observada em 87% dos casos de linfossarcoma (CARDOSO et al., 2004). O cortisol em excesso provavelmente mascarou alguns destes sinais, já que é um hormônio que promove linfólise quando em excesso (GRECO, 2004). O óbito da paciente poucos dias após a realização do BAAF, não permitiu a realização de qualquer tentativa de tratamento quimioterápico.

Conclusão:

A descrição simultânea de HAC e linfossarcoma trata-se de um caso incomum, pois as duas doenças foram encontradas associadas na paciente. Como o linfossarcoma é altamente maligno e na maioria dos casos leva a morte rapidamente, talvez tenha sido possível diagnosticar a tempo as duas enfermidades em função do hipercortisolismo, pois pode ter controlado, em parte, a evolução do linfossarcoma pelos seus efeitos imunossupressores.


Paciente em acompanhamento de tratamento para hiperadrenocorticismo apresentada com queixa êmese, inapetência e fraqueza. O abdômen da paciente apresenta-se discretamente abaulado e a pelagem não apresenta alopecia ou rarefação pilosa.










Imagem ecográfica do fígado da paciente evidenciando parênquima heterogêneo e a presença de
um nódulo hiperecogênico com cerca de 1,2 cm de diâmetro (seta).





Citologia de material aspirado do fígado da paciente por meio de BAAF guiada por ultra-som
evidenciando a presença de grande quantidade de linfócitos com volume nuclear aumentado, cromatina em padrão granular e redução do volume citoplasmático (seta), recebendo o diagnóstico citológico de linfossarcoma hepático. Coloração Wright-Giemsa, aumento de 400x.



VETERINÁRIA EM FOCO
Revista de Medicina Veterinária
Vol. 7 - No 2 - Jan./Jun. 2010
ISSN 1679-5237
Éverton Eilert Rodrigues, Melina Garcia Guizzo, Eduardo de Freitas Costa,
João Pereira Guahyba Bisneto, Simone Tostes de Oliveira, Félix Hilario Díaz
González, Alan Gomes Pöppl






quarta-feira, 15 de junho de 2011

CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA VENTRICULAR DIREITA EM CÃES DA RAÇA BOXER.

Cardiomiopatia arritmogênica ventricular direita em Boxers.
É considerada uma doença degenerativa do miocárdio caracterizada por infiltração gordurosa ou fibro-gordurosa do ventrículo direito, podendo ocorrer também no lado esquerdo.
Os sinais marcantes da doença incluem arritmias ventriculares, síncopes e morte súbita.
CAVD (cardiomiopatia arritmogênica ventricular direita) em cães da raça boxer é uma doença familiar herdada por um traço autossômico dominante (progenitores têm 50% de probabilidade de transmitir o gene mutado ao seu descendente).
CAVD tipicamente inicia-se na fase adulta mas a apresentação clínica da patologia é variável. Harpster descreveu três formas:
1)      Cães assintomáticos com complexos ventriculares prematuros ocasionais.
2)      Cães com episódios de síncope, fraqueza ou intolerância ao exercício associadas com taquiarritmias ventriculares.
3)      Cães com taquiarritmias ventriculares e algum grau de insuficiência cardíaca congestiva.
Há ainda os casos de cães que morrem repentinamente, mesmo sem sinais prévios da doença.
A história familiar e múltiplos exames diagnósticos são usados para fechar o quadro da doença.  Além dos testes cardíacos específicos, uma análise sanguínea completa é necessária  para que outras causas de arritmia (acidose, hipóxia, hipocalemia e anemia) sejam descartadas.
Exames de imagem abdominal (RX, ecografia, tomografia...) têm que ser levados em consideração em alguns casos, pois massas abdominais (especialmente as esplênicas) podem causar arritmias ventriculares.
No exame físico taquiarritmias caracterizadas por batimentos extra-sistólicos podem ser auscultadas. Sopro sistólico ou batimento em ritmo de galope pode ser auscultado na região apical do lado esquerdo de cães que possuam disfunção miocárdica.
Sopros sistólicos na região basilar esquerda são comuns em boxers, considerados fisiológicos ou devido à estenose aórtica e não devem ser associados com CAVD.
Os achados radiográficos de tórax são tipicamente normais, a não ser que haja disfunção sistólica ou insuficiência cardíaca congestiva.  Em um estudo com boxers que apresentavam comprometimento do miocárdio em conseqüência a CAVD, os achados mais comuns foram: cardiomegalia generalizada, aumento do átrio esquerdo, edema pulmonar e efusão pleural.
Como a CAVD é caracterizada por arritmias ventriculares, o eletrocardiograma é de relevante importância no diagnóstico. A arritmia ventricular se origina no ventrículo direito e se manifesta como complexo ventricular prematuro com bloqueio do ramo esquerdo e complexos QRS de elevada amplitude ou “alargados”.
Complexos ventriculares prematuros (cvp) marcados com as setas.
Taquiarritmias supraventriculares como fibrilação atrial, têm sido notadas em boxers com a disfunção miocárdica da CAVD.
Na suspeita de arritmias ventriculares intermitentes, o monitoramento cardíaco por um holter é necessário.  A presença de vários complexos ventriculares prematuros ( > 100) no período de 24 horas é anormal e sugestivo de CAVD.




CLASSIFICAÇÃO DA SEVERIDADE DA CAVD DE ACORDO COM A QUANTIDADE DE COMPLEXOS VENTRICULARES PREMATUROS.
0 a 20
Limite normal
20 a 100
Indeterminado, repetir após 6 a 12 meses
100 a 300
Suspeito, não cruzar por um ano e então repetir o exame.
300-1000
Possivelmente afetado
Mais de 1000
Afetado, considerar o tratamento.



Meurs et al recentemente identificou uma mutação de um gene associada à CAVD de boxers, sendo que esta mutação não está presente em boxers saudáveis ou em outros cães de porte grande a gigante de outras raças.
O teste para detectar essa mutação genética está comercialmente disponível e mais informações podem ser achadas no site: http://www.cvm.ncsu.edu/vhc/csds/vcgl/index.html
O tratamento para boxers com CAVD consiste em apenas agentes antiarrítmicos, a não ser que haja evidências de disfunção sistólica e ou insuficiência cardíaca congestiva.
Apesar do tratamento antiarrítmico diminuir a freqüência de complexos ventriculares prematuros e também a quantidade de episódios de síncope, não há relação ainda sobre um maior tempo de sobrevivência ou menor risco de morte súbita.
Sem a prova de que o tratamento não afete o tempo de sobrevivência ou o risco de morte súbita, o benefício de tratar cães assintomáticos é incerto. Não há uma relação concreta entre quantidade de complexos ventriculares prematuros e início dos sinais clínicos.
Tem sido sugerido que possa ser razoável iniciar o tratamento em boxers assintomáticos que tenham  mais de 1000 complexos ventriculares prematuros em 24 horas e pistas de taquicardia ventricular.
Os cães que apresentam intolerância ao exercício e síncopes devido a arritmias ventriculares, já têm o tratamento iniciado de imediato.
Dois protocolos são bem tolerados e demonstraram diminuir a freqüência dos complexos ventriculares prematuros:
1)      Sotalol  isolado.
2)      Mexiletine + atenolol.
Aconselha-se realizar o monitoramento por holter antes do tratamento e após 2-4 semanas para avaliar a resposta do paciente.  Se a terapia alcançar a diminuição maior que 80% no número de aparecimento de complexos ventriculares prematuros, essa será bem sucedida.
Os cães que possuem disfunção miocárdica e insuficiência cardíaca congestiva podem beneficiar-se com o tratamento padrão para cardiomiopatia dilatada. Um recente estudo mostrou que apesar de a CAVD em boxers não ter ligação com a deficiência de L-carnitina, a sua suplementação (50mg/kg VO q8-12hs) pode melhorar a função sistólica.
AVANÇOS TERAPÊUTICOS:  
·         Suplementação com ômega 3 (780mg de ácido ecosapentaenóico + 497mg de ácido docosaehexaenóico) por 6 semanas diminuiu a ocorrência de complexos ventriculares prematuros (cvp) em boxers assintomáticos com mais de 95 cvp’s em 24 horas.  O efeito sobre a taxa de mortalidade não foi avaliado.

Prognóstico: Muitos boxers podem ser bem manejados com a apropriada terapia antiarrítmica sem a recorrência dos sinais clínicos por meses a anos.
Contudo, todos os cães portadores de CAVD  correm o risco de morte súbita, com ou sem o tratamento. Se a doença aparece junto ou progride para uma insuficiência cardíaca congestiva, o prognóstico torna-se mais reservado.

DECEMBER 2010 ; COMPENDIUM: CONTINUING EDUCATION FOR VETERINARIANS.
Crystal D. Hariu, DVM – Texas A & M University
Dewey Carpenter, DVM, DACVIM (Cardiology) – Coral Springs Animal Hospital ; Coral Springs, Florida.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Infestação por Lynxacarus radovskyi em cães e gatos domésticos na cidade de Niterói (RJ): relato de caso.


Ellen Jaffé,* Simone Grillo,** Cleber Lincoln Andrade Costa,*** Carlos Eduardo Santos Vaz,****
Luciana Casartelli Alves,***** Nádia R. P. Almosny******

* Graduanda em Medicina Veterinária – UFF. Rua Santa Rosa ,141, apto. 1002. Santa Rosa – Niterói, RJ.


** Médica-veterinária autônoma. Estrada Velha de Marica 154, casa 38, Maria Paula – Niterói, RJ.


*** Graduando em Medicina Veterinária – UFF. Rua Pedro Ernesto, 69, casa 9. Saúde – Rio de Janeiro, RJ.


**** Médico-veterinário autônomo. Av Santa Cruz, 543/104, bl 8, Realengo – Rio de Janeiro, RJ.


***** Graduanda em Medicina Veterinária – UFF. Rua Almirante Baltazar, 264 – São Cristóvão – Rio de Janeiro, RJ.


****** Prof. Dr. Depto. de Clínica e Patologia Clínica Veterinária – UFF. R. Vital Brazil filho,64 – Santa Rosa – Niterói, RJ. Email: mcvalny@vm.uff.br




O Lynxacarus radovskyi é um ácaro relacionado com dermatopatias de felinos e sua distribuição geográfica está relacionada com climas úmidos e tropicais (Craig et al., 1993; Pereira, 1996) como no Havaí (Merchant, 1993; Craig et al., 1993; Pereira, 1996; Wilkinson e Harvey, 1996; Scott et al., 2001; Akucewich et al., 2002; Medleau e Hnilica, 2003),  Austrália (Greve e Gerrish,1981; Craig et al., 1993; Merchant, 1993; Pereira, 1996; Wilkinson e Harvey, 1996; Scott et al., 2001; Medleau e Hnilica, 2003), Fiji (Greve e Gerrish, 1981; Craig et al., 1993; Merchant, 1993; Pereira, 1996; Wilkinson e Harvey, 1996; Medleau e Hnilica, 2003), Porto Rico (Greve e Gerrish, 1981; Craig et al., 1993; Pereira, 1996; Merchant, 1993; Medleau & Hnilica, 2003), Flórida (Greve e Gerrish, 1981; Foley, 1991; Craig et al., 1993; Merchant, 1993; Wilkinson e Harvey, 1996; Scott et al., 2001; Akucewich et al., 2002; Medleau e Hnilica, 2003), Texas (Scott et al., 2001; Akucewich et al., 2002) e Brasil (Faccini e Coutinho, 1986; Pereira, 1996; Scott et al., 2001; Serra-Freire et al., 2002). Neste último, a sua ocorrência já foi reportada em São Paulo, Rio de Janeiro (Pereira, 1996; Serra-Freire et al., 2002) e Belém-PA (Serra-Freire et al., 2002), o que demonstra ser um problema crescente na população de gatos domésticos do nosso país (Pereira, 1996).

O parasito possui a porção anterior com revestimento marrom e o restante branco (Greiner, 1999) sendo incomum em pêlos de gatos (Moriello,1994; Greiner, 1999). Todas as patas possuem ventosas terminais (Merchant, 1993; Scott et al., 2001) e ele se agarra na haste do pêlo (Greve e Gerrish, 1981; Craig et al., 1993; Merchant, 1993; Moriello,1994; Pereira, 1996; Wilkinson e Harvey, 1996; Greiner, 1999; Scott et al., 2001; Medleau e Hnilica, 2003) com os palpos e os dois primeiros pares de patas (Foley, 1991; Merchant, 1993; Wilkinson e Harvey, 1996; Scott et al., 2001;) sendo rápida a sua movimentação (Craig et al., 1993).

A maioria dos casos de infestações é subclínica (Wilkinson e Harvey, 1996). Os sinais clínicos são potencialmente proporcionais ao número de ácaros que se fixam nos pêlos do animal e a duração da infestação (Pereira, 1996; Scott et al., 2001). Entretanto, com relação ao prurido não há associação com o grau de infestação. Pouca evidência de prurido é observada nos hospedeiros com grande número de L. radovskyi. O ato de se coçar tem sido reportado em gatos com poucos ácaros e assim mesmo pode ser indicativo de hipersensibilidade (Craig et al., 1993).

As manifestações clínicas mais comumente observadas são discreto prurido, aparência da pelagem de polvilhado de “sal e pimenta” pela visibilidade dos ácaros nos pêlos e descamação. Pode ocorrer alopecia devido ao arrancamento fácil dos pêlos, presença excessiva de caspas e dermatite miliar (Greve e Gerrish, 1981; Foley, 1991; Craig et al., 1993; Merchant, 1993; Moriello, 1994; Pereira, 1996; Wilkinson e Harvey, 1996; Scott et al., 2001; Serra-Freire et al., 2002; Medleau e Hnilica, 2003). A superfície da pele tem uma aparência normal, mas em alguns casos pode causar erupções crostosas e exsudativas acompanhada de prurido (Greve e Gerrish, 1981).

As regiões do corpo mais acometidas pelo L. radovskyi são principalmente o dorso (Medleau e Hnilica, 2003) e membros posteriores (Craig et al., 1993; Greve e Gerrish, 1981). Todavia, pode ser encontrado na região cervical e torácica (Craig et al., 1993), base da cauda, região epigástrica, tendendo a se tornar uma infestação generalizada (Serra-Freire et al., 2002). Em alguns animais a infestação pelo ácaro está associada à doença crônica e debilitante (Greve e Gerrish, 1981) ou a distúrbios gastrintestinais devido à excessiva lambedura podendo ocorrer vômito, constipação, irritação ou prolapso retais e bolas de pêlo (Foley, 1991).

A transmissão ocorre por contato direto, mas os fômites também podem ser uma importante via de transmissão (Craig et al., 1993; Scott et al., 2001). Há relatos de casos em humanos que manipulam gatos infestados aparecendo lesões na forma de erupções cutâneas papulares (Foley, 1991).

O diagnóstico definitivo é feito pelo isolamento do ácaro (Pereira, 1996; Wilkinson e Harvey, 1996) por meio de raspado de pele ou impressão com fita de acetato (Merchant, 1993; Moriello, 1994; Scott et al., 2001; Serra-Freire et al., 2002; Medleau e Hnilica, 2003).

O tratamento deve ser feito com a aplicação de duas doses de 300μg/kg de ivermectina por via subcutânea com intervalo de duas semanas (Foley, 1991; Moriello, 1994; Medleau e Hnilica, 2003). Autores sugerem uma avaliação desta com maior número de casos (Pereira, 1996). Outras formas de tratamentos sugeridos incluem banhos à base de sulfeto de cálcio a 2% (Moriello, 1994; Scott et al., 2001; Medleau e Hnilica, 2003), malation a 0,5% (Craig et al., 1993), sulfeto de selênio, tetra-etil-tiuran (Serra-Freire et al., 2002) e banhos a base de piretrina (Craig et al., 1993; Foley, 1991; Moriello, 1994; Medleau e Hnilica, 2003) uma vez por semana durante quatro semanas (Craig et al., 1993).

RELATO DE CASO:

Em janeiro de 2003, no bairro de Pendotiba, no município de Niterói, RJ, foi detectada a presença de ectoparasitos fixados aos pêlos de 10 gatos e um cão que convivem na mesma residência. Foram coletadas amostras de pêlos de todos os animais, sendo fixadas com álcool a 70% e enviadas ao Laboratório de Patologia Clínica da Universidade Federal Fluminense, onde as amostras foram examinadas em microscopia óptica (100x e 400x).

Os animais apresentavam pouca evidência de prurido e os pêlos podiam ser arrancados facilmente. Os gatos com pêlos esbranquiçados apresentavam aspecto da pelagem de polvilhado de “sal e pimenta”, havendo pontos com coloração de ferrugem. Durante a realização do tricograma foram observados numerosos ácaros da espécie L. radovskyi  e seus respectivos ovos  em todos os animais, inclusive no cão.

O parasito observado possuía a porção anterior com revestimento marrom e o restante branco com ventosas terminais nas patas, conforme relatos da literatura (Greiner, 1999).

As regiões do corpo mais acometidas pelo L. radovskyi eram principalmente o dorso (Medleau e Hnilica, 2003) e membros posteriores (Greve e Gerrish, 1981; Craig et al., 1993) mas, de uma forma geral, todo o corpo dos animais estavam afetados.

O cão apresentava-se assintomático havendo poucos ácaros na superfície do pêlo. Acredita-se que sua transmissão tenha ocorrido devido a infestação maciça na qual os gatos estavam acometidos e que tenha ocorrido por contato direto.

CONCLUSÃO:

Muitos dos animais parasitados podem apresentar-se assintomáticos, entretanto, é necessário um estudo mais amplo que avalie suas conseqüências na clínica de caninos e felinos. O pequeno tamanho do parasito dificulta o diagnóstico clínico, sendo necessário um tricograma, assim como estudo amplo que avalie a ocorrência deste parasito e suas implicações na sanidade dos felinos e caninos. Contudo, no cão é importante que se realizem maiores estudos relacionados com o ácaro especificando, suas conseqüências, uma vez que não há pesquisas sobre o referido assunto.

R. bras. Ci. Vet., v. 12, n. 1/3, p. 110-113, jan./dez. 2005

Figura 1 – Pêlos esbranquiçados de gato apresentando aspecto da
pelagem de polvilhado de “sal e pimenta”, havendo pontos com coloração

de ferrugem.

Figura 2 – L. radovskyi fêmea (aumento 400x) aderido ao pêlo de gato
apresentando um ovo no seu interior.

Figura 3 – Presença de ovo de L.radovskyi (aumento de 400x) aderido
ao pêlo de gato.


Figura 4 –-L. radovskyi sendo um exemplar adulto (esquerda) e um ovo
(direita) (aumento 100x) aderido aos pêlos de cão.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

UVEÍTE PIGMENTAR DO GOLDEN RETRIEVER

Estudo de caso do Veterinary Ophtalmology (2000) 3, 241-246. John Sapienza; Francisco Domenech; Angeles Prades-Sapienza. O artigo foi gentilmente cedido pela Dra. Paula Diniz Galera, DVM, MSc, PhD
Profª Adjunta de Cirurgia Veterinária - FAV/UnB/Brasil
Pos-doctoral student - University of Florida.


OBS: Aos colegas oftalmologistas veterinários, quaisquer erros ou expressões inadequadas consequentes do processo de tradução, favor encaminhá-los na parte de comentários ou pelo e-mail da seção perfil. Grato. Boa leitura! 

A uveíte não associada às desordens sistêmicas ou agentes infecciosos é frequentemente observada em cães Golden Retriever. A uveíte pigmentar é supostamente hereditária nesta raça e apresenta-se como aderências entre a íris e o cristalino e um borrão de pigmento ("pigment dispersion") presente na periferia da íris e córnea através da cápsula anterior do cristalino.
Recentemente, um relato de Deehr e Dubielzig demonstrou que 13 de 25 cães Golden Retriever com glaucoma tinham evidências histológicas de cistos epiteliais iridociliares, e estes podem predispor os cães afetados a desenvolverem glaucoma.
Os objetivos deste artigo são mostrar vários casos de uveíte primária do Golden Retriever e mais adiante estabelecer a relação da presença de cistos iridociliares com o glaucoma secundário nessa raça.
Materiais e métodos:
Relatos de 75 cães da raça Golden Retriever (39 fêmeas castradas, 32 machos castrados e 4 machos inteiros) com uveíte associada a nenhuma doença sistêmica após prévio exame físico e sorológico para erliquiose, febre maculosa e borreliose estavam disponíveis para avaliação.
Pigmento presente na cápsula anterior do cristalino disposto de forma radial ou multifocal associado ou não a cistos da úvea, foi considerado o sinal clínico inicial mais frequente (figura 1).
Todos os cães receberam avaliações oftálmicas completas com biomicroscopia por lâmpada de fenda, oftalmoscopia indireta, tonometria de aplanação e gonioscopia.
Ao primeiro exame apenas 9 cães apresentaram alterações em um olho, posteriormente um desses cães apresentou uveíte bilateral.
A faixa etária dos pacientes foi de 4 anos e meio a 14 anos e meio, com média de 8 anos e meio.
Visíveis cistos iridociliares foram observados em 13,3% dos casos e um caso de cisto uveal preenchido por sangue foi identificado, sendo que o sangue levou 5 meses para ser reabsorvido pelo organismo (figuras 2 e 3).
De 142 olhos, 52 apresentavam formação de fibrina na câmara anterior e com o passar do tempo, 19 olhos desenvolveram glaucoma (figura 4).
O diagnóstico de glaucoma  foi realizado em 66 olhos e foi baseado nos sinais clínicos de estrias corneanas, buftalmia, atrofia do nervo óptico com ou sem aumento da pressão intra-ocular.  Trinta e oito olhos já apresentavam o problema na primeira inspeção dos pacientes e o tempo médio em que os outros olhos desenvolveram glaucoma foi de 9.4 meses.
Dos 4 casos em que houve enucleação do globo ocular, 3 demonstraram evidências de cistos epiteliais iridociliares. Também foram observados cistos aderidos à cápsula anterior do cristalino que se espalhavam até a câmara posterior.
A terapia utilizada nos pacientes teve como objetivo combater a uveíte e minimizar a ocorrência de glaucoma. Nos casos em que houve a formação de fibrina na câmara anterior, foi utilizada a prednisolona tópica e injeções subconjuntivais de betametasona. AINES tópicos foram prescritos mas resultaram em aumento da pressão intra-ocular.
O tratamento medicamentoso para o glaucoma incluiu timolol, dorzolamida e diclorfenamida oral, porém foram ineficazes em controlar o aumento da pressão intra-ocular em todos menos um cão. Apesar do tratamento conservador e cirúrgico, 46% dos olhos examinados ficaram com perda de visão pelo glaucoma.
O prognóstico desta uveíte de caráter progressivo é reservado, principalmente nos casos avançados que apresentam sinéquia posterior e formação de fibrina.
O glaucoma de ângulo fechado secundário aos cistos do corpo ciliar e da íris parece ter um papel hereditário autossômico dominante.
Mais investigações para definir o papel dos cistos iridociliares em cães Golden Retriever são necessárias (primeiro ocorre a formação do cisto e depois a inflamação, ou vice-versa??).    

Esquema simplificado da anatomia do olho.


Pigmentação presente na cápsula anterior do cristalino em orientação radial.













Pigmentação da cápsula anterior do cristalino com cistos iridociliares sobrepostos

Cisto uveal preenchido por sangue localizado na câmara posterior.

Grande tampão de fibrina localizado na câmara anterior aderido à cápsula anterior do cristalino.
Múltiplos cistos iridociliares presentes na margem anterior da pars plicata*


 * Corpo Ciliar: É uma região rica em fibras musculares que apresenta funções múltiplas. O corpo ciliar divide-se em dois segmentos: o anterior, “pars plicata” e o posterior  “pars plana”. Na pars plicata encontram-se : os processos ciliares, responsáveis pela produção de humor aquoso  e que  também servem de sustentação para   zônula além dos músculos ciliares, que controlam a acomodação do cristalino.